Os intérpretes da história e da cultura brasileira têm descartado textos importantes, que serviram de base ao processo de formação social, e nos quais será sempre possível identificar conjuntos de valores destinados ao uso radical, no estabelecimento de uma moral religiosa, como tutela das populações. O Flos Sanctorum é um deles, escrito em cinco alentadas brochuras, em Toledo, na Espanha, pelo licenciado Alonso de Villegas. Alonso de Villegas Seruago (?) nasceu em Toledo por volta de 1534 e já em 1554, quando ainda estudante, publicou um texto teatral – Selvagia – comédia que chamou a atenção da crítica da época, que reconheceu no autor e na obra uma contribuição renovadora para a literatura castelhana. O Flos Sanctorum é considerado a mais fecunda e útil antologia moral em língua espanhola, comparável a Legenda Áurea, livro do século XIII, de autoria do dominicano Jacobus de Voragine. O livro de Alonso de Villegas é composto de relatos sobre a Vida dos Santos, conforme o Breviário do Concílio, a Vida dos Santos do Velho Testamento, A Vida de Santos diversos com o de Varões Ilustres, Discursos sobre os Evangelhos de todo o ano e a Quinta parte, que aparece como integrante do volume intitulado Fructus Sanctorus, que é livro de exemplos, também de santos, com parte dedicada a Santa Maria, a mãe de Jesus. Segundo o que diz o autor, a segunda parte do Flos Sanctorum foi concluído no dia 1º de novembro, Dia de Todos os Santos, de 1582, ano em que o Papa Gregório XIII mandava corrigir a contagem do tempo e estabelecia um novo calendário para o mundo cristão. Um calendário repleto de datas religiosas, consagradas ao contato catequético da Igreja com os fiéis e devotos que formavam a Cristandade, como correspondente do conceito de Humanidade. De tanto ser reeditado, com modificações feitas sem conhecimento do autor, Villegas mandou imprimir o seu próprio retrato nas futuras edições, salvaguardando a autenticidade dos textos. Alonso de Villegas publicou, ainda, A Vida de Santo Isidoro de Madrid, mantendo o conceito de bom escritor, até que morreu, em 1603. Seu Flos Sanctorum se transformou numa seleta de exemplos, na voz dos predicadores, reforçando a oratória da catequese e sendo um mostruário moldado nas formas da Idade Média, validado pela disposição apostólica de jesuítas, oratorianos, carmelitas, franciscanos e outros missionários que povoaram o Novo Mundo, deixando cimentada uma base moral, ainda hoje entranhada na vida social dos povos novos, como o brasileiro. O Flos Sanctorum integrava a estante primitiva do Brasil, livros que eram trazidos de Portugal e da Espanha, cujos títulos ficaram conhecidos com a Visitação da Bahia (que incluía Sergipe), de 1592, confiada ao licenciado, capelão, fidalgo de sua majestade, do seu desembargo e visitador apostólico Heitor Furtado de Mendonça. Um dos processos da Inquisição na Bahia/Sergipe relata que uma pessoa, usando instrumento cortante, perfurou propositadamente, páginas de textos e de gravuras do Flos Sanctorum. Nos séculos seguintes, XVII, XVIII e XIX o livro sobre os santos circulava entre os colonos brasileiros, juntamente com outros títulos, como a reproduzir, em certa medida, a estante do fidalgo personagem de Cervantes. Muitas curiosidades, recolhidas na tradição européia, estão no Flos Sanctorum, como o próprio relato do autor sobre a mudança do calendário, as idades do mundo e as misericórdias, dentre muitas outras narrativas exemplares, organizadas para os fins expansionistas do Cristianismo, notadamente do Catolicismo romano. Parece haver, contudo, pouca conciliação, por exemplo, entre a sujeição ao rei e as obras de misericórdia, que são o passaporte da vida. Alonso de Villega consolida e sustenta a idéia dominante, desde a Idade Média, de que todos os inferiores e súditos devem honrar em muito os seus reis, como ensinou São Pedro, que todos obedeçam e se sujeitem, como queria São Paulo reforçando que os que resistiam aos reis, resistiam a Deus, ou que Deus dá cetro e coroa e quer que todos obedeçam e estimem os Reis, como está nos Provérbios, de Salomão, ou, ainda, que além de obediência e serviços os súditos devem amar aos Reis. (continua)
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