Eu quis, por um momento, escrever um texto muito belo que falasse sobre a própria beleza e tocasse o coração de crianças e velhos. Mas, por fim, dei-me conta de que a beleza não cabe numa única história, porque ela são muitas. Há muitas belezas, muitas formas de vê-la e falar sobre ela. Como quem recolhe retalhos pruma colcha, desencavei restos, fragmentos de uma canção – de várias canções – que não será escrita jamais.
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Queria escrever uma fábula, mas parece que as fábulas já morreram – assim como a canção, o autor, o romance. Há muitos mortos nesse século. E andamos por aí, pesados, a carregar todos esses cadáveres.
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A casa iluminada porque é domingo à tarde. O vento traiçoeiro atira os óculos ao chão. Existe um mar infinito e azul lá fora, que convida ao silêncio. Há uma serenidade morta e bela em tardes assim, e só os pássaros podem existir e emitir algum som. Os homens estão todos mortos, em silêncio, esperam que haja menos tudo isso para que possam voltar a existir. A beleza pode ser muito excessiva e exigente, então, é preciso morrer um pouco.
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E o que sobrou foram os gerânios murchos. E ela se perguntava: o que se pode fazer com os gerânios murchos pousados na janela? Nada, afinal. Além de constatar sua morte, claro.
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Não fechem as janelas! Deixem que a chuva molhe o leito, que as cortinas dancem ao vento. Deixem o dia entrar em casa – com chuva ou sol.
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Na volta alta do rio, a espera é diferente, porque o tempo mesmo é diferente. Conta-se na água e nas horas.
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A primeira vez que voou, lembra-se de ter pensado: o céu nunca mais acaba. O céu, sim, é infinito, porque o mar, um dia, bate na terra.
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Queria encontrar uma coisa, um ato completamente sem serventia. Uma coisa que tivesse menos serventia que uma pedra, uma folha, um relógio de um ponteiro só. Porque é nessa coisa que se guarda a eternidade. (Mas se se guarda a eternidade nesta coisa/ato, como pode ser completamente sem serventia? É esse o mistério?)
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A viagem começa no sonho. Antes do início. É caminhar ainda não feito. Mas que já leva adiante.
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Rio corre, abre pedra. Desce, meio do mato. Água escura que brota do meio, do centro de tudo. Suas águas, mesmo rasas, são profundas. Profundidade da vida sendo feita. Silêncio de cachoeira só é quebrado por cano azul que desce pra levar água de beber para a cidade. Felicidade de caboco é mato com rio no meio.
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As grandes coisas acontecem de uma maneira muito sutil. Há enormidades na pequena flor amarela que brota no meio da pedra. Há grandezas na mão redondinha da criança que dorme serena. Há eternidade no chiclete que não acaba nunca de ser. Há infinitudes no canto do pássaro desconhecido na floresta.
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Ensinamento para trilha no leito do rio (anotado num papel amarrotado dentro do bolso): encare a correnteza de frente para que ela não lhe roube seu equilíbrio. Cruze o rio. Pise as pedras e sinta-as.
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Sobreviver é incrível! Ver a estrada desenrolar-se e simplesmente segui-la. E quando vier a noite, não temer a escuridão plena das noites sem luar. Há imensidões!
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Os seus castelos eram construídos na solidez de sonhos inquebrantáveis.