Raquel Anne Lima de Assis
Doutoranda em História Comparada pela UFRJ (PPGHC)
Integrante do Grupo de Estudo do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)
E-mail: raquel@getempo.org
Nos últimos tempos, os meios de comunicação vêm noticiando a formação de um “gabinete paralelo” no governo federal para aconselhá-lo a tomar certas medidas de enfretamento à pandemia de covid-19. Para Estados institucionalizados, burocratizados e, principalmente, democráticos, isso representa um perigo. Como o Angelus Novus (Anjo da História, 1920), de Paul Klee, que olha para as ruínas do passado, podemos aprender com ele caminhos a serem evitados.
Um exemplo que o passado nos mostra é o caso da Team B – uma equipe de Inteligência paralela – no governo norte-americano de Gerald Ford (1974-1977), em plena Guerra Fria (1949-1991). Nesse período, foi adotada a política de Détente entre EUA e URSS, que significava distensão ou relaxamento. Termo usado na política internacional, a Détente marcou uma relação mais amena entre ambas as potências e adoção de programas de controle de armas para evitar o risco de conflito entre estadunidenses e soviéticos. Ao assumir a presidência, Ford pretendia dar continuidade a esse projeto político. Contudo, apesar da opinião pública ser favorável, grupos conservadores, liderados pelo futuro presidente Ronald Reagan, empreenderam fortes críticas à Détente.
Naquele momento, havia instituições norte-americanas que corroboravam com a política de Ford e dentre elas estava a Agência Central de Inteligência, a CIA. Com base em seu serviço especializado em Inteligência, a agência estimava que a URSS estava buscando paridade militar e não uma ofensiva hegemônica, cenário que contribuía para a política da Détende e o controle de armas. Portanto, o relaxamento entre as duas potências não representava um perigo para a política internacional dos EUA. Eram estimativas baseadas em dados, em um método científico próprio das agências de Inteligência e empreendidas por analistas formados na área.
Entretanto, essas análises foram questionadas pelos conservadores contrários à Détende ao afirmarem que a CIA era otimista demais e não enxergava o perigo da URSS. Diante da pressão desse grupo e do perigo de não conseguir apoio do Partido Republicano para a sua reeleição, Ford criou a Team B, proposta pelos próprios conservadores. Com o discurso de que procurariam refinar as análises da Inteligência ao criar estimativas alternativas e, assim, um ambiente de competição, a Team B realizou fortes críticas à CIA.
Portanto, a Team B foi criada não por especialistas em Inteligência, mas por grupos políticos que pretendiam colocar em andamento seu projeto de país. Assim, diante das pressões da Team B, o relatório anual de Inteligência mudou de teor para apoiar uma política mais agressiva em relação à URSS, enquanto as estimativas da CIA baseadas em dados foram colocadas de lado.
Longe de encarar a CIA como uma instituição plenamente imparcial, pois diversos eventos históricos demonstram o contrário, o exemplo da Team B apresenta o perigo de “gabinetes paralelos”. A Team B não era uma instituição oficial do Estado norte-americano e foi criada para deturpar informações a fim de angariar apoio da opinião pública e do Congresso. Ou seja, um “gabinete paralelo” para que o presidente forjasse um cenário e empreendesse seu projeto político, no caso o do Ford, para obter apoio do Partido para sua reeleição.
Isso demonstra a importância de fortalecermos nossas instituições oficiais, pois elas constituem nosso Estado normativo. Obviamente, estão passíveis de corrupções e falhas, e um Estado democrático é constituído pelo seu aperfeiçoamento com fiscalização e inserção de membros especialistas, não com a criação de vias alternativas para justificar uma determinada política. Diante deste cenário, como uma democracia, exigimos clareza, coerência e evidências.