80 anos de Pedrinho, Preto, Potente, Poesia

 

Jairton Peterson Rodrigues dos Santos

Mestre em Ensino de História (UFS)

Professor de História do Instituto Federal de Sergipe

 

Acervo pessoal do autor do texto.

Há nomes que não apenas vivem, mas que sobrevivem ao tempo por meio dos gestos que depositaram na terra fomentando a memória coletiva. Pedro dos Santos, ou simplesmente Pedrinho, é um desses nomes que insistem em permanecer, como uma árvore frondosa que insiste em florir mesmo quando a história tenta cortar suas raízes.

Ele nasceu em 30 de julho de 1945, na cidade de Laranjeiras (SE).

Sua existência atravessou o século como resistência e poesia. Filho de Rosalvo dos Santos e Maria Vitória dos Santos, seu destino foi marcado pela coragem e pelo compromisso com a ancestralidade, com a história sergipana e o saber negro.

Migrou ainda menino para Aracaju e se instalou com a família no bairro Aribé, atual Siqueira Campos, onde fincou seus primeiros passos como intelectual orgânico, como diria Antonio Bispo dos Santos: um “intelectual da terra” moldado pelo território e pelo comprometido com o cuidado e a partilha dos saberes.

Nos anos 1950, Pedrinho já se destacava pela inteligência, a sagacidade e a crítica aguçada. Estudou no Colégio Tobias Barreto e, em meados dos anos 1960, começou a trabalhar como técnico em enfermagem no Hospital Cirurgia.

No início dos anos 1970, ingressou na Rádio Difusora, ao lado do radialista Silva Lima, iniciando uma jornada que aliava comunicação, cultura e engajamento político.

Ainda nos anos 1970, ingressou no curso de História da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Reabriu o Diretório Acadêmico e se tornou, em 1976, presidente do Diretório Acadêmico João Ribeiro (área de Ciências Humanas), além de ter representado os estudantes sergipanos nos debates para a reinstalação da União Nacional dos Estudantes (UNE), em um dos períodos mais críticos da ditadura civil-militar brasileira.

Militante sem panfleto, Pedrinho forjava sua luta nos bastidores da memória. Como nos ensinou Beatriz Nascimento, o quilombo também pode ser um gesto, um arquivo, um livro, um conselho compartilhado. E foi nesse sentido que ele se tornou guardião das instituições de memória sergipanas: do Arquivo Público à Biblioteca Epifânio Dória, do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe ao Conselho Estadual de Cultura, do qual se tornou o primeiro presidente negro no início dos anos 2000.

Em todos esses lugares, deixou impressa sua marca generosa e firme, carregando consigo a função de preservar aquilo que é muitas vezes desprezado: o passado das gentes nordestinas, sergipanas, negras, pobres, marginalizadas.

Nos anos 1980, tornou-se professor da rede estadual de ensino e atuou no Arquivo Público, no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e na Biblioteca Epifânio Dória, consolidando-se como figura central na vida intelectual e cultural do estado.

A publicação de seus livros, financiados do próprio bolso, nunca vendidos, sempre ofertados, revela mais do que desprendimento. Era uma filosofia. Um combate silencioso contra o que ele mesmo chamava de “constrangimento do patrocínio mendicante”. Sua escrita foi afeto e rebeldia. Em cada exemplar carimbado com “Venda Proibida. Oferta do Autor”, há uma recusa ativa do mercado e uma adesão radical à partilha. Tal qual Lélia Gonzalez, Pedrinho compreendia que a cultura, principalmente a negra, é potência viva, não mercadoria. Seu gesto político era a distribuição gratuita do conhecimento.

Obras como “A Proclamação da República na Missão de Japaratuba”, “Pena de Morte em Sergipe”, “Comedor de Jia” e “Biografia de Moreira Guimarães” revelam a atenção de Pedrinho aos interstícios da história sergipana. Mas foi no trabalho Instituições Culturais de Sergipe, produzido em 1984, que “ele escancarou sua maior contribuição”, como afirmou o Prof. Dr. Francisco José Alves. Mais que um pesquisador, Pedrinho foi um historiador do cotidiano, um documentarista da memória oral e escrita de um povo.

Em 1979, integrou o Projeto Barão do Rio Branco na pesquisa “Resgate das Fontes Históricas das Capitanias de Sergipe e Bahia”, realizadas no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, em Portugal, ao lado do professor Lourival Santana Santos. Atuou como auxiliar nas pesquisas da professora Maria Thétis Nunes, mas problemas de saúde e o clima europeu o fizeram retornar.

De volta a Sergipe, seguiu sua faina como professor da rede pública estadual e como militante da preservação histórica. Desde o final dos anos 1990, dedicou-se à conservação de revistas e obras raras na Biblioteca Epifânio Dória, sempre disposto a ajudar qualquer pesquisador que o procurasse.

Pedrinho não foi apenas um técnico em arquivos. Foi o “Leão de Chácara” da nossa história, como bem definiu o escritor carioca André Lacé Lopes: um defensor incansável da memória, um aliado incondicional dos pesquisadores, um mestre silencioso que moldava consciências com paciência e firmeza. Como lembrou a professora Terezinha Alves de Oliva, “três grandes casas da memória guardam seu nome com honra: o Arquivo Público do Estado de Sergipe, que hoje nomeia sua Sala de Consultas em homenagem a ele; a Biblioteca Epifânio Dória, onde sua figura permanece viva; e o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, que reconhece com gratidão o seu trabalho meritório”.

Faleceu em 1º de dezembro de 2018, mas seu legado pulsa. Pedrinho dos Santos foi, antes de tudo, um ser humano em sua mais profunda dimensão. Um homem negro, nordestino, historiador, professor, militante da cultura e da memória. Foi, e ainda é, “Preto, Potente e Poesia”.

Seu exemplo nos obriga a seguir adubando a memória e reescrevendo os nomes que a história tradicional tentou apagar. Pedrinho vive em cada documento preservado, em cada pesquisador acolhido, em cada livro ofertado com afeto.

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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