A busca por respostas na Era Digital

Ailton Silva dos Santos

Mestre em História (PROHIS/UFS)

Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)

“Sacerdotisa de Delfos (afetada pelos vapores da fonte de Kerna sob o Templo), por John Collier, 1891, Galeria de Arte da Austrália do Sul.” Fonte: https://www.culturefrontier.com/oracle-of-delphi/

 

Com tantos e tão rápidos avanços que temos publicados no campo da tecnologia, volta e meia percebemos que estamos pensando sobre o impacto de tudo isso na sociedade. Pelo menos eu costumo pensar com frequência, buscando entender como esse desenrolar afeta a vida ao entorno e, sobretudo, o meu trabalho. Lembro de ouvir, há muitos anos, que o novo deus se chamava Google e que o Oráculo havia sido substituído pela máquina. Contudo, nunca antes como agora, acredito que essa ideia se transformou em uma constatação.

Outras vezes já ouvi falar, ou tive pessoas próximas a mim que falaram, sobre como utilizaram chatbots generativos, sendo mais comum o ChatGPT, para se informar sobre rescisão contratual, arquitetura e financiamento, plano de carreira ou até diagnósticos médicos ou psicológicos. Sim, o Oráculo dos gregos, antes virgens embebidas em gases tóxicos, agora é uma inteligência artificial. 

Talvez o leitor possa considerar essa uma ideia categórica, que estou fazendo uma afirmação sem sentido. No entanto, penso que não. Pois, durante todo o tempo de existência do Google, estamos falando de décadas, foram registrados mais de 13 bilhões de buscas. Ao passo que, nos menos de dois anos de ChatGPT já chegamos a 1 bilhão de consultas ou solicitações. Se a Geração Z ainda está consumindo muito o TikTok para fazer suas pesquisas informais, a próxima geração estará completamente embebida no oráculo moderno.

A comparação entre as inteligências artificiais de hoje e o antigo Oráculo de Delfos, na Grécia Antiga (VIII ao IV a.c.), não é apenas uma metáfora poética, mas o ponto de partida para uma reflexão sobre a busca por respostas. Ora, assim como os antigos gregos peregrinavam em busca de orientação da Pítia (sacerdotisa do deus Apolo; figura histórica de culto e papel ritualístico), que proferia profecias muitas vezes ambíguas, na atualidade as pessoas recorrem cada vez mais a sistemas de Inteligência Artificial para obter informações, conselhos e soluções. 

A diferença fundamental reside na natureza da fonte. Pois, enquanto a Pítia representava uma conexão com o divino, a IA Generativa é uma criação humana; produto da engenharia e da programação. No entanto, a forma como as pessoas se relacionam com essas fontes, a confiança depositada e a dependência que se desenvolve e se solidifica ao longo de cada prompt escrito e resposta obtida, exibem paralelos surpreendentes.

Nosso caminho para a dependência para com a máquina não mais está sendo física, mas criativa e intelectual. O ato de pensar cansa e é mais fácil pedir ao ChatGPT. Corrigir um erro de português cometido é incômodo, mesmo com a marcação em vermelho que o Word nos indica, é mais fácil colar no chat de alguma IA e solicitar que ela corrija e “melhore” aquilo que escrevemos. Não que ache isso de um todo problemático. Mas, penso que deixar de fazer as mais simples tarefas cognitivas gera uma dependência perigosa. 

A inteligência artificial pode ser uma aliada para executar atividades que consumam o tempo de forma mecânica, como localizar fontes que possamos estudar e consultar, enquanto utilizamos esse tempo para sermos humanos. 

Consegue se lembra da última vez parou para observar o sol se pondo? 

Entrementes, quanto tempo levará para estarmos lendo ficções completas escritas por um Ghost Writer que habita a nuvem? Sinceramente, não sei dizer se isso já não esteja acontecendo.

A acessibilidade e a instantaneidade da IA são fatores cruciais para essa crescente dependência. Diferente dos antigos gregos que precisavam peregrinar, esperar por uma audiência e executar rituais complexo, as IA’s estão disponíveis 24 horas por dia a um clique de distância. Essa conveniência pode ter um custo, pois, se ela pode corrigir nossa gramática, elaborar textos, e até mesmo gerar ideias, qual será o incentivo para aprimorarmos em nós essas competências? 

O filósofo Immanuel Kant (1724-1804), já argumentou sobre a importância de o homem sair de sua “menoridade” e pensar racionalmente sem a tutela de outros. Entrementes, a automação de tarefas cognitivas pode, ironicamente, empurrar-nos de volta a uma nova forma de menoridade. Uma “fadiga cognitiva”, dada pela relutância em se engajar no raciocínio, mesmo o mais básico, levando a um enfraquecimento de habilidades e, ao invés de caminharmos para uma nova versão de nós mesmos com uso de uma tecnologia surpreendente, poderemos atrofiar o milagre que é ser humano.

A indústria criativa já não é mais como antigamente. Ouvi essas mesmas palavras sendo ditas sobre os mais diversos temas e momentos: “o mundo não é como antigamente”, “o mercado não é como antigamente” ou ainda “a escola não é como antigamente”. Acredite, se fosse como antigamente é que nós estaríamos em apuros. Pois, a mudança é mister e inevitável. Nesse contexto, temos roteiristas de filmes e jogos sendo substituídos por IA. Será esse é o futuro do entretenimento? 

O economista John Maynard Keynes (1883-1946), em seu ensaio Possibilidades Econômicas para Nossos Netos, de 1930, previu um futuro de mais lazer e menos trabalho devido ao avanço tecnológico. No entanto, a realidade da IA parece apontar para uma reconfiguração do mercado de trabalho, com alguns empregos sendo eliminados e outros novos sendo criados, exigindo novas habilidades e adaptação.

Por fim, a questão central não é se a IA é boa ou ruim, mas como a utilizaremos e quais são as implicações a longo prazo dessa interação. Visto que, a linha tênue entre a assistência e a dependência é o que nos obriga a uma reflexão crítica. 

O desenvolvimento tecnológico sempre trouxe consigo desafios e transformações sociais e a IA é apenas a mais recente iteração dessa constante evolução. Contudo, ainda é cedo para prever com alguma certeza o seu impacto final na sociedade. Pois, tal tecnologia exige de nós um maior discernimento, desenvolvimento do pensamento crítico, questionando e mantendo um equilíbrio saudável entre a sua utilização e a preservação das nossas habilidades humanas essenciais. 

Se o Oráculo de Delfos oferecia um vislumbre do futuro através da intervenção divina, as novas tecnologias nos oferecem um futuro que estamos construindo ativamente, com escolhas e capacidade adaptativa. Isto posto, a pergunta que permanece é: estamos preparados para o tipo de futuro que essa nova forma de oráculo está possibilitando?

 

Para saber mais:

KEYNES, John Maynard. Possibilidades econômicas para os nossos netos (1930). In: KEYNES, John Maynard. Ensaios sobre Persuasão. Nova Iorque: W.W.Norton & Cia., 1963. p. 358-373.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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