A lanterna das memórias perdidas no Tempo Presente

Jairo Fernandes da Silva Júnior

Mestre em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (PGH/UFRPE)

E-mail: jairo.fernandes1994@gmail.com

Fonte: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/da-alemanha-de-hitler-ao-gesto-de-musk/

 

Umberto Eco, há 30 anos, proferiu a célebre conferência na Columbia University, sendo publicada por meio do livro Fascimo Eterno. Na ocasião, o intelectual destacou que no futuro se desenharia um “populismo qualitativo de tv e internet”, o qual traria uma resposta emocional a um grupo que legitimaria como “voz do povo”. A análise feita naquele momento soou como lição e chega ao nosso tempo como alerta. Na Posse do presidete norte-ameicano, Donald Trump, em 20 de janeiro de 2025, o bilionario Elon Musk, dono da Tesla e Space X, discursa e agradece aos apoiadores da campanha por meio de um gesto levando uma das mãos ao peito e em seguida estendendo ao ar, semelhante a saudação nazista.

De maneira efusiva, o caso repercutiu nas redes sociais, sobretudo os usuários da plataforma que Musk é proprietário, o X (antigo Twitter). Foram das mais variadas análises e colocações, inclusive negando a proximidade do gesto com o atribuído ao sieg heil (Salve a vitória), utilizado na Itália, por Benito Mussolini e na Alemanha, por Adolf Hitler, nos anos 1930 e 40, na Europa. Por meio da plataforma e de outros meios de comunicação, especialistas do tema afirmam que o ato é perigoso e pode, sim, ser atribuído ao nazismo. Por outro lado, o próprio empresário e apoiadores diminuem a proximidade e negam a conexão do gesto com o movimento político do século passado.

Trazer à luz temas ditos sensíveis e relembrar processos traumáticos nos faz refletir sobre o papel do historiador do tempo presente: o dever de estranhar o fato. François Dosse chamou de “interseção entre o presente e a longa duração” a complexa tarefa de compreender e problematizar sistematicamente os passados que não passam. Diante do exposto, é latente a necessidade de refletir sobre o compromisso social de comunicar que a história não se repete, mas se torna alerta diante de processos no nosso tempo.

Acender a lanterna da memórias perdidas, romance da escritora japonesa Sanaka Hiiragi, transcende por meio de metáfora o questionamento sobre os motivos pelos quais escolhemos lembrar determinados fatos e esquecer outros. Nesse sentido, perguntamos: diante de tantos, por que escolhemos os fascismos?

As palavras da autora nos colocam à frente de uma caixa da história, onde existem fotografias que nelas estão registrados os passados pelos quais escolhemos passar. A impossibilidade de reflexão e passividade nos fizeram ignorar qualquer luz de alerta e as necessidades latentes que traumas não se repitam.  Insistimos na escolha das permanências, confirmando o fascínio, a adaptabilidade e eternidade dos fascismos.

Os novos formatos de populismo enraizaram como possibilidade política nos dias atuais. A guinada do que um dia foram as novas direitas, ganharam corpo e concretude na anatomia dos Estados. As ações se tornaram sistemáticas dentro do jogo bilionário da desinformação e banalização da dor do outro. Foram estabelecidas novas ordens de comunicar e acessar informações disfarçadas de liberdade de expressão. A complexidade do passado e a efemeridade do presente fizeram dos atos primitivos de pensar, lembrar e esquecer um enorme desafio.

Figuras da extrema direita como Donald Trump, Viktor Orbán, Alice Weide e Giorgia Meloni utilizam estratégias rápidas e radicais, encobertas na cortina de fumaça provocadas por debates que buscam legitimação de gestos ou ações de apoiadores, desferindo golpes ultraconservadores baseados na crise migratória e pautas conservadoras, escondendo o que não é visto de fato. O papel do historiador do tempo presente é elucidar possibilidades de acender as lanternas da memória dentro da caixa de fotografias e que o brilho reluzente chegue às imagens, nas quais estão registradas a perversidade humana de outrora, possibilitando a transformação em ações práticas e conscientes.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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