Ailton Silva dos Santos
Mestrando em História (PROHIS/UFS)
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)
E-mail: ailton@getempo.org
Para que não se confundam os termos, partimos da diferença inerente entre Estórias de fadas (ex.: Crônicas Arturianas; Senhor dos Anéis), Contos de fadas (ex.: Tinker Bell; Peter Pan) e Fábulas (ex.: Ursinho Pooh; O Pequeno Principe). Embora possam dialogar entre si, tal como a história da escrita, a história da leitura e a história do livro, possuem suas particularidades. As duas últimas foram legadas completamente ao público infantil e buscam trazer lições de moral ou ensinamentos através de alegorias. Contudo, podem possuir suas raízes na realidade, ecoando a partir de lendas e mitos que foram contados entre as gerações, na qual lhes foram atribuídos cada vez mais um apanágio mágico.
Entrementes, no primeiro caso, temos um desenvolvimento similar que difere em alguns pontos. Antes do avanço da ciência como interpretação do mundo, tal entendimento derivava dos Mitos da Natureza. Um exemplo é o Thor (Thórr, significa trovão), um deus cujas características são descritas como de temperamento violento, não tão inteligente e possuidor de uma força desastrada e esmagadora. Esses traços não diferem muito dos observados em um indivíduo Bóndi (núcleo nórdico da sociedade, formado por fazendeiros e artesãos na Escandinávia) agressivo, de intelecto rudimentar e cuja força aumenta virtualmente com o auxílio do álcool. Ora, em qual momento a fúria violenta do trovão fora diminuída à forma de um homem e as características do homem foram elevadas ao deus cultuado? Embora seja possível, seria um erro tentar definir, pois parece se tratar de uma concepção dialética em que o deus fora concebido pela natureza diretamente observada e, dentro do seu círculo social, o homem fora influenciado pelo mito fundamentado que inspirou a sociedade. E o que isso tem a ver com nosso tema? Prosas e poemas acerca de Thor entram na categoria de estórias de fadas, na quais também figura Beowulf, remontadas pela tradição oral.
Por fim, a estória de fadas detém uma temática mais sombria que seus correlatos e parte de uma construção que tensiona ser real, ou subscreve uma realidade anterior. Senhor dos Anéis é um exemplo, dado ter sido construído através da composição de idiomas que, não existindo em realidade, passaram a existir a partir de sua criação. Composição que seu autor tensionou construir para suprir uma lacuna de mitos e contos heroicos que dizia sofrer a Inglaterra. John Ronald Reuel Tolkien defende tal concepção e cunha o termo subcriador para nomear aqueles que, existindo em um mundo construído pelo Criador, utilizam das ferramentas dadas pela criação, o cérebro e a mente, para originar um outro mundo repleto de contos e lendas. Concluo dizendo que, problematizando tal ideia a partir do paradigma correto, a História pode trabalhar com questões que vão desde os mitos, materialização de lendas e representações expostas através da oralidade, da escrita e da produção literária. Ao passo que fantasia não pode assumir o simples sentido de mentira ou coisa de criança, sua etimologia remonta às ideias de “algo que se mostra” e “revelar ou tornar visível”. Pois a fantasia não turva o mundo, ela é dependente dele.
Para saber mais:
RODRIGUES, Icles. O medo da fome nos contos de fada do século XVII ao XIX. In: III Semana Acadêmica de História – Destrinchando Quimeras: Mitos, Pensamentos e Cosmogonias., 2012, Florianópolis.
TOLKIEN, J.R.R. Árvore e Folha. Tradução: Reinaldo José Lopes. Rio de Janeiro: HarperCollins Brasil, 2020.