A Rússia no início do século XX e suas revoluções  

Maria Luiza Pérola Dantas Barros

Doutoranda em História Comparada (PPGHC/UFRJ)

Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)

E-mail: perola@getempo.org

Estátua de Alexandre III derrubada durante a Revolução Russa de 1917. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiag/revolucao-russa.htm

 

A Revolução Russa de 1917, como passou para História, pode também ser analisada como resultado de “processos revolucionários”, que não se limitaram àquele ano. Desde 1905, com o Domingo Sangrento, é possível perceber que mudanças ocorriam no interior da sociedade russa culminando, posteriormente, nas “revoluções russas”.

Tais transformações não estavam descontextualizadas do restante do mundo, mas se inseriam temporalmente no século XX, se conferindo num processo conectado aos grandes acontecimentos que ocorreram ou influenciaram aquele século, tais como o Imperialismo e a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Já no final do século XIX, o capitalismo apresentava um crescimento nunca visto, e se fazia necessário “quebrar as fronteiras” e se expandir. A solução era simples: agregar novos territórios. Tal prática conhecida por Imperialismo ou Neocolonialismo foi algo marcante para o século XX, e altamente executada pelas grandes nações, inclusive pela Rússia tzarista, que se tornou assim um império multicultural por abrigar, nas palavras de Daniel Aarão Reis Filho, na obra As revoluções russas, um “caleidoscópio de povos, religiões e culturas”. A cada nação que era incorporada ao império, era uma nova cultura, uma nova forma de pensar e de ver o mundo que adentrava. Indo na contramão dessa pluralidade cultural, estava o império com seu projeto de “tudo homogeneizar”, que acabava encontrando uma crescente resistência interna.

Em virtude de suas práticas imperialistas, a Rússia tzarista acabou entrando em conflito bélico com o Japão, aumentando as insatisfações em seu interior que, posteriormente, culminariam no Domingo Sangrento, considerado por alguns historiadores como o início da revolução de 1905, e por Lenin como o “ensaio geral” para outubro de 1917.

O Império Russo dotava-se de importantes setores industriais, mas continuava a apresentar e aprofundar desigualdades gritantes, que o tornavam “um gigante com pés de barro”. Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, um conflito eminentemente imperialista, e em virtude da política de alianças existente entre as nações, a Rússia viu-se obrigada a lutar contra a Alemanha. Pensava-se que aquela guerra se estenderia por, no máximo, quatro meses, porém a realidade foi diferente, o que fez crescer a miséria e a desorganização econômica nas nações, trazendo à luz a fragilidade da Rússia. Gradativamente os contrastes evoluíram para uma insatisfação generalizada que conseguiu congregar todas as classes em prol da derrubada do tzar, nas chamadas jornadas de fevereiro.

Com a queda do tzar, todos os grupos sociais tinham mudanças a reivindicar, mas o governo provisório não estava disposto a atendê-los. Nesse contexto, as crises se sucediam até culminarem na insurreição de outubro de 1917 (novembro em nosso calendário) dirigida por Lenin.

Questiona-se o uso do termo revolução para designar tal processo, porém é inegável que ela tenha ocorrido, já que houve uma substituição de uma estrutura por outra diferente, “mudando a face do país e do mundo”. Todavia tal revolução foi precedida por um golpe, já que as decisões foram tomadas sem consulta ou autorização dos sovietes.

Com a vitória dos bolcheviques, abandonam-se as utopias e promove-se uma abertura política, colocando em funcionamento a Nova Política Econômica (NEP) e adotando um planejamento da economia.

Quando, em 1929, a economia norte-americana se abalou e, por consequência, todo o mundo que adotava o capitalismo liberal entra em um período de depressão econômica, a Rússia, já na então União Soviética, parecia imune a tais acontecimentos graças a adoção dessa economia planejada, manifestada pelos Planos Quinquenais. A produção industrial triplicou e não havia desemprego, diferente do que ocorria em nações como Alemanha, França e Inglaterra.

Assim, as revoluções russas possibilitaram uma posterior segurança econômica em meio à crise mundial iniciada em 1929, apesar do sonho de uma democracia esboçada pela estrutura soviética, tida por tempo bom, ter sido transformada com o passar dos anos em um tempo sombrio, no qual ninguém mais saberia o destino que ele tomaria.

 

Para saber mais:

HOBSBAWM, E. Rumo ao abismo econômico. IN: Era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2 ed., 1997, p. 90-112.

REIS FILHO, Daniel Aarão. As revoluções russas. In: FERREIRA, J., REIS FILHO, D.A., ZENHA, C. (Orgs.). O século XX: o tempo das crises – revoluções, fascismos e guerras. Civilização Brasileira, 2005.p.35-60.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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