Maria Luiza Pérola Dantas Barros
Doutoranda em História Comparada (PPGHC/UFRJ)
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente
E-mail: perola@getempo.org
Sem dúvida o mês de agosto é emblemático tanto para a história local quanto nacional em virtude dos torpedeamentos das embarcações brasileiras pelo U-507, em 1942, no contexto da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Tal conflito bélico mergulhou o mundo em um dos piores momentos da história, atingindo o mais alto patamar de uma escala de horrores até então impensável, deixando um rastro de destruição por onde passou. Longe de ficar restrita ao continente europeu, ele se irradiou, qual onda sonora, pelo mundo, fazendo seu eco ressoar também além-Atlântico, chegando ao Brasil, a Sergipe, por exemplo.
No período em questão, nosso país vivia o Estado Novo (1937-1945) sob o comando de Getúlio Vargas, notoriamente influenciado pelas experiências europeias autoritárias do nazismo e, principalmente, do fascismo. Com o início do conflito mundial, todos os estados da federação sofreram, em maior ou menor intensidade, impactos em seu cotidiano diante, por exemplo, da escassez de produtos e do aumento dos preços dos gêneros alimentícios e combustíveis, e em Sergipe não fora diferente.
Porém, o impacto direto viria entre os dias 15 e 17 de agosto daquele ano, com os torpedeamentos de cinco embarcações brasileiras (Baependi, Araraquara, Aníbal Benévolo, Itagiba e Arara) no litoral entre Sergipe e Bahia, pelo submarino alemão em missão no Atlântico, responsável pelo saldo de mais de 600 mortos. O que se assistiu posteriormente foram cenas dignas de um filme de terror: destroços das embarcações torpedeadas, além de pertences de vítimas, corpos inchados e, em muitos casos, já em avançado grau de putrefação, por exemplo, davam às praias sergipanas pelo balanço das ondas.
Na manhã de 18 de agosto daquele ano, grande parte dos aracajuanos puderam ler nos jornais sobre a crueldade dos acontecimentos em sua costa e começaram a se questionar sobre qual motivo justificaria ceifar a vida de centenas de brasileiros daquela maneira. Jornais como a Folha da Manhã enfatizaram que, naquele momento, a “cidade inteira ante estas notícias alarmantes que pouco a pouco como labaredas se espalharam por todos os recantos, ficou profundamente consternada”, e que “todos, chorando a sorte de seus irmãos, vítimas da selvageria nazista, sentidos até o íntimo da alma (…) perambulavam pelas ruas em busca de notícias novas (…)”. Divulgava-se ainda que o “povo grita e pede desforra. A polícia vê-se obrigada a intervir por várias vezes afim de conter a multidão e evitar distúrbios” (Folha da Manhã, Aju. 18 ago. 1942, 1).
Por meio de notícias como essa, podemos perceber como o ocorrido foi noticiado na cidade. É válido mencionar que, em virtude da proporção dos fatos, veículos de comunicação em massa, tais como as revistas ilustradas nacionais e internacionais, também divulgaram a notícia.
A edição de 29 de agosto de 1942 da Revista da Semana, de ampla circulação nacional, apresentava um compilado de diversas manifestações que ocorreram no país em virtude dos torpedeamentos, por exemplo, ressaltando que o povo “sentia que a hora decisiva havia chegado” (p.25), em sintonia com o governo que (divulgava-se na mesma edição) reconheceu, em 22 de agosto, o estado de beligerância com a Alemanha e a Itália.
Ainda revistas como a Time e a Life, de ampla circulação internacional, também divulgaram o ocorrido. Na edição de 24 de agosto daquele ano, a Revista Time já trazia uma menção à Sergipe e aos torpedeamentos, em uma pequena parte destinada a falar sobre o Brasil, com o questionamento “New Ally?”. Mas foi na edição de 31 de agosto de 1942 que essa revista ilustrada apresentou de maneira um pouco mais ampla o ocorrido em nosso litoral, tratando das manifestações e do posicionamento de Vargas, porém descrevendo em tons nada gloriosos o Brasil naquele momento. Na edição de 07 de setembro de 1942, na fotorreportagem intitulada “Brazil goes to war: the people demand a declaration against the Axis”, a Revista Life também apresentaria os torpedeamentos e as manifestações que ocorreram posteriormente.
A partir desses exemplos, podemos perceber como os torpedeamentos ocorridos em nosso litoral há 82 anos se constituem em um fato marcante tanto para os seus contemporâneos quanto para nós, sendo considerado como um grande fator para a entrada do Brasil na Segunda Guerra. Para além de um fato que passou, ele permanece vivo, parafraseando Marc Ferro em A História Vigiada (1989), pelas múltiplas interpretações ainda hoje debatidas e pelas muitas obras sobre a temática que são produzidas.
Para saber mais:
ASSIS, Raquel Anne Lima de; MAYNARD, Dilton Cândido Santos. O fim do mundo começou no mar: os ataques do Submarino U-507 ao litoral sergipano em 1942. Revista Navigator – Dossiê O Brasil nas Grandes Guerras do século XX, v. 9, n. 17, 2013.
BARROS, Maria Luiza Pérola Dantas. O caso Nelson de Rubina: guerra e cotidiano em Aracaju (1942-1943). (Monografia de conclusão do curso de Licenciatura em História). São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2015.
MAYNARD, Andreza Santos Cruz. A Guerra do “pão de ouro”: a variação dos preços de alimentos em Aracaju (1939-1945). IN MAYNARD, A.S.C.; BARBOSA, C.A.; MAYNARD, D.C.S. (org.). Segunda Guerra: histórias em Sergipe. Recife: Editora Universidade de Pernambuco, 2016.
__________. Carestia e roubo de galinhas: problemas no cotidiano de Aracaju. In: MAYNARD, Andreza Santos Cruz; MAYNARD, Dilton Cândido. Leituras da Segunda Guerra Mundial em Sergipe. (org.) São Cristóvão: Editora UFS, 2013.
MAYNARD, Dilton Cândido Santos. Bares, Cafés e Pinga-Pus na Aracaju dos Tempos de Guerra. IN MAYNARD, Andreza Santos Cruz; MAYNARD, Dilton Cândido Santos (org.). Leituras da Segunda Guerra Mundial em Sergipe. São Cristóvão: Editora UFS, 2013.
MAYNARD, Andreza Santos Cruz; MAYNARD, Dilton Cândido Santos. Dias de luta: traços do cotidiano de Aracaju (1939-1945). OPSIS, Catalão, v. 9, n. 12, jan-jun 2009.
MAYNARD, Andreza Santos Cruz; MAYNARD, Dilton Cândido Santos (Orgs.). Segunda Guerra Mundial: apontamentos do tempo presente. Recife: EDUPE, 2020.