Ainda Estou Aqui, o 8 de janeiro e a memória da Ditadura

Diego Leonardo Santana Silva

Atualmente realiza pós-doutorado no PROFHISTÓRIA/UFS

Doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)

 

Cena de ‘Ainda estou aqui’ — Foto: Divulgação

 

O filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Valter Sales se tornou um marco no cinema brasileiro. A obra conta a história da família Paiva com ênfase nas consequências do desaparecimento de Rubens Paiva (1929-1971), interpretado por Selton Mello destacando o papel de sua esposa, a advogada e ativista Eunice Paiva (1929-2018), interpretada por Fernanda Torres, na criação de sua família. A produção que está sendo reconhecida dentro e fora do Brasil com diversos prêmios também ocupa um espaço relevante no cenário nacional que é o da memória sobre a Ditadura.

A Ditadura Militar brasileira (1964-1985) é um exemplo de evento histórico no qual as disputas pela memória e pela interpretação são bastante afloradas. Na Nova República Brasileira, as marcas da Ditadura ainda estão presentes no autoritarismo e no desprezo pela democracia que parte da sociedade brasileira ainda possui. Nos últimos anos, projetos políticos e ideológicos simpáticos ao autoritarismo ganharam espaço. Nisso, uma apropriação da memória da Ditadura acabou sendo realizada por seus apoiadores que recontaram essa história sob um viés de defesa e apologia do regime.

A transição para a democracia não conseguiu eliminar os anseios autoritários de uma parcela da sociedade brasileira. Enquanto isso não for feito, iniciativas contrárias à democracia ocorrerão como foi o caso dos eventos de 8 de janeiro de 2023 quando manifestantes contrários à eleição de Luís Inácio Lula da Silva invadiram a sede dos três poderes em Brasília. As consequências do 8 de janeiro são vistas dia a dia, assim como os planos de tomada do poder vão sendo revelados. Porém, o 8 de janeiro também é fruto de uma falha no sistema educacional e uma fragilidade que a Nova República teve na construção de uma memória histórica da ditadura.

Por essa razão, produções cinematográficas como Ainda Estou Aqui se tornam tão importantes. Os historiadores do cinema costumam afirmar que um filme fala mais sobre a época em que ele foi produzido de que sobre a época que ele pretende representar. Com Ainda Estou Aqui não é diferente. O filme que narra eventos da época da Ditadura nos leva a uma reflexão para, na época em que estamos vivendo, olharmos para o passado e vermos a face sombria de um regime político ao qual parte da sociedade faz apologia. Para o bem da democracia, é preciso escancarar e explicitar os males da Ditadura. Caso contrário, soluções simplórias e autoritárias podem se viabilizar em momentos de crise democrática.

A conquista do Globo de Ouro pela atriz Fernanda Torres e o reconhecimento internacional que Ainda Estou Aqui demonstram como a crítica internacional observa o Brasil lidando com seus traumas. Em um período no qual a democracia é atacada, o uso do cinema e da arte para sensibilizar e conscientizar se torna fundamental. É preciso que essa memória seja trabalhada, revisitada e cabe a nós historiadores não deixarmos isso cair no esquecimento e tampouco não adentrar nesse campo de batalha. Ditadura nunca mais.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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