Jairton Peterson Rodrigues dos Santos
Professor do Instituto Federal de Sergipe – Campus Aracaju
Mestre em Ensino de História (UFS)

O mês de novembro é, no Brasil, um marco simbólico e político da Consciência Negra, instituído pela Lei nº 12.519/2011 em homenagem a Zumbi dos Palmares, símbolo da resistência e da luta do povo negro contra a escravidão e o racismo. Esse período se consolidou como um tempo de reflexão e celebração das identidades negras, das ancestralidades africanas e das lutas por igualdade racial. Entretanto, é fundamental compreender que o debate sobre a consciência negra não deve se restringir ao mês de novembro: pensar o Brasil e a sua história exige manter esse diálogo vivo durante todo o ano, na escola, nas universidades, nas políticas públicas e nas práticas cotidianas. Afinal, o racismo é estrutural e, portanto, o antirracismo deve ser uma luta cotidiana.
É nesse horizonte de luta e reexistência que o pensamento de bell hooks (Gloria Jean Watkins, 1952–2021) se torna essencial. Escritora, educadora e feminista negra estadunidense, hooks dedicou sua vida à construção de uma pedagogia libertadora, comprometida com a transformação social e com a emancipação dos sujeitos historicamente oprimidos. Em sua obra “Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade (2013)”, a autora propõe uma profunda crítica à educação tradicional, marcada por relações hierárquicas, autoritárias e eurocentradas. Inspirada por Paulo Freire, ela defende uma educação engajada, que reconheça o valor das experiências de vida, das emoções e da corporeidade como elementos legítimos do processo de aprendizagem.
A ideia de transgressão em bell hooks não está ligada à desobediência gratuita, mas à coragem de ultrapassar fronteiras, sejam elas do medo, da exclusão, do silêncio e das hierarquias impostas pelo racismo e pelo patriarcado. Transgredir, portanto, é um ato político e amoroso. É o movimento de quem recusa o lugar de subalternidade e afirma a própria voz como produtora de conhecimento. Ao dizer que “a sala de aula é um espaço de possibilidades”, hooks nos convida a imaginar uma educação onde o afeto e o diálogo sejam caminhos de libertação.
O afeto, em sua teoria, é uma dimensão transformadora do ensino. Em sociedades marcadas pela dor da exclusão racial, o gesto afetivo, o cuidado, o acolhimento e o reconhecimento, tornam-se formas de resistência. Para pessoas negras, indígenas e outras minorias historicamente marginalizadas, sentir-se amado e respeitado no espaço escolar é também um ato político. A afetividade, portanto, não é um adorno da pedagogia, mas o centro da luta contra o racismo e o sexismo. Como afirma hooks, “ensinar é um ato erótico no sentido mais amplo do termo: é o exercício da paixão e da energia vital a favor da liberdade”.
Assim, a educação antirracista e afetiva que bell hooks propõe é uma educação de escuta, de diálogo e de reconhecimento. É aquela que rompe com a lógica da neutralidade e assume a sala de aula como um espaço de engajamento ético e político. Ensinar a transgredir é ensinar a viver com consciência crítica, a compreender como o racismo estrutura o conhecimento e a produzir novas epistemologias, plurais, negras, feministas e populares.
No contexto brasileiro, essa pedagogia afetiva e transgressora se alinha aos princípios das Leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008, que tornam obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena. Implementar essas leis vai além da inclusão de conteúdos nos currículos: significa reconhecer os saberes ancestrais e as práticas culturais afro-indígenas como tecnologias de sobrevivência e liberdade. Significa, também, criar espaços onde estudantes possam existir inteiros com suas histórias, memórias, dores e potências.
Em um país no qual, segundo o IBGE (2022), mais de 55% da população se autodeclara preta ou parda, e onde as desigualdades educacionais e de renda continuam a afetar majoritariamente pessoas negras e indígenas, é urgente fazer da escola um território de acolhimento, resistência e transformação. A afetividade, como propõe bell hooks, é o elo que une a luta política à prática pedagógica, é o que transforma o ato de ensinar em um gesto de libertação.
Engajado na prática da transgressão, da afetividade, da liberdade, da luta contra a opressão e no entendimento crítico do cotidiano daqueles que sofrem é que a sala de aula se torna libertária e não opressora.
É nesse espaço que o conhecimento se faz instrumento de emancipação, e o diálogo, uma ponte entre as experiências e os saberes. Quando o ensino reconhece a potência das vozes historicamente silenciadas, ele rompe com a lógica da neutralidade e afirma o compromisso ético e político da educação com a justiça social. Assim, aprender e ensinar tornam-se atos de coragem, de reinvenção e de resistência.