Como enfrentar a cultura da reprovação?

Josué Modesto dos Passos Subrinho

Fonte: https://omunicipio.com.br/pesquisa-mostra-o-indice-de-reprovacao-e-evasao-escolar-no-brasil/

 

No ambiente de especialistas em Educação Básica com alguma frequência se ouvem análises enfatizando as dificuldades das redes públicas em elevar os níveis de aprendizagem dos estudantes. A episódica adoção da promoção automática, recomendada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), durante o período da recente pandemia e, aparentemente, adotada pela maioria dos sistemas públicos, contribuiu para colocar em um segundo plano a questão das baixas taxas de aprovação, ou visto de outro ângulo, elevadas taxas de reprovação e abandono. É comum se mencionar que é fácil adotar políticas que combatam a reprovação massiva, mas é muito difícil elevar o nível da aprendizagem. Vejamos o que indicam os números acerca da evolução das taxas de aprovação.

 

Quadro 1.

Brasil. 2007-2022. Taxas de aprovação. Total. Rede Pública.

Fonte: https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/indicadores-educacionais/taxas-de-rendimento-escolar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A cultura da repetência escolar teve larga prevalência na comunidade escolar com aceitação em amplas camadas da sociedade. A ideia de que reprovar um estudante que apresentasse baixo desempenho nas avaliações propostas por um professor contribuiria para chamá-lo à responsabilidade, a se dedicar mais aos estudos ainda encontra apoio entre pais e professores (as).

Os dados do Quadro 1 demonstram que não obstante ainda apresentarmos baixas taxas de aprovação nas diversas etapas da Educação Básica, essas vêm exibindo elevações contínuas, mas em ritmo lento. Entre os anos 2007 e 2022 as taxas de aprovação dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental apresentaram um crescimento de 10,7 pontos percentuais; no mesmo período o crescimento das taxas de aprovação dos Anos Finais do Ensino Fundamental foi de 12,8 pontos percentuais. Finalmente, no Ensino Médio, no mesmo período, o crescimento foi de 13,3 pontos percentuais. Ou seja, as etapas com menores taxas de aprovação, tiveram no período 2007-2022 maior crescimento, mas mantendo a hierarquização inicial. Um destaque é que as taxas máximas de aprovação foram alcançadas nos anos de 2020 e 2021, sob influência da recomendação do CNE acerca da aprovação automática no período da Pandemia da COVID 19. Em 2022, as taxas de aprovação apresentaram reduções significativas, retornando-se à evolução anterior.

Em síntese, as taxas de aprovação na Educação Básica da rede pública vêm apresentando crescimento praticamente contínuo desde o ano de 2007, mas estão longe de ser um problema superado. Elas se diferenciam entre as etapas da Educação Básica, sendo maiores nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e menores no Ensino Médio. O nível atual de aprovação ainda requer políticas específicas de combate à reprovação e abandono escolares para termos a universalização da Educação Básica com qualidade e equidade. Adicionalmente, um país tão heterogêneo como o Brasil esconde nos dados médios a disparidade de situações das diversas unidades da Federação, como veremos.

Quadro 2.
Brasil e estados escolhidos. 2022 Rede Pública. Taxa Total de aprovação.
Anos Iniciais do Ensino Fundamental

Fonte: https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/indicadores-educacionais/taxas-de-rendimento-escolar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Selecionamos no quadro 2 e nos que se seguem os cinco estados com maiores taxas de aprovação, nas redes públicas, em 2022, e os cinco com as menores taxas, exatamente para iluminar as diferenças entre as diversas unidades da Federação.

Os cinco estados com maiores taxas de aprovação nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental apresentaram índices maiores do que a média do Brasil como um todo. Se destacou o Ceará, que se aproxima da aprovação de todos os estudantes. O Tocantins, quinto colocado, ainda que tenha uma taxa acima da média nacional já apresenta um percentual de reprovação e abandono que indicam a necessidade de reforço de políticas específicas de aprendizagem e busca ativa dos estudantes que eventualmente tenham abandonado a escola. Os cinco estados com menores taxas de aprovação já apresentam níveis muito elevados de reprovação e ou abandono, oscilando em torno de 10% das crianças matriculadas, o que certamente exige políticas focadas no incremento das taxas de aprovação.

Um ponto a ser observado é o forte predomínio da oferta municipal de matrículas nessa etapa, nem sempre acompanhada de regimes efetivos de colaboração do estado com seus municípios. Espera-se que a regulamentação do Sistema Nacional de Educação, em tramitação no Congresso Nacional, venha consolidar boas práticas de articulação das instâncias da Federação na construção de sistemas educacionais eficientes, com qualidade e equidade.

 

Quadro 3

Brasil e estados escolhidos. 2022 Rede Pública. Taxa Total de aprovação. Anos Finais do Ensino Fundamental

Fonte: https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/indicadores-educacionais/taxas-de-rendimento-escolar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nos Anos Finais do Ensino Fundamental as taxas de aprovação caem significativamente tanto para o Brasil como um todo quanto, especialmente nos estados que já apresentavam baixas taxas nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Uma combinação perversa de baixa aprendizagem, reprovações e defasagem idade-série se adiciona aos preconceitos e estigmas que perseguem as camadas tradicionalmente excluídas da sociedade brasileira.

Como se pode ver no Quadro 3, a média brasileira de aprovação, nessa etapa, se reduz a 91%. O Ceará se mantém como exemplo de sucesso no combate à cultura da reprovação e abandono escolar, com 98,4% de taxa de aprovação dos estudantes dos Anos Finais do Ensino Fundamental. Até a quinta posição, ocupada pelo Tocantins, as taxas de aprovação continuam acima da média nacional. Se observamos os cinco estados com menores taxas de aprovação, veremos que o de 23ª  posição (Amapá) se distancia consideravelmente da média nacional, com aprovação de 82,2% dos estudantes, no ano de 2022. Seguem-se mais quatro estados com taxas menores, alcançando-se 75,6% de aprovação. Esses níveis de reprovação e abandono comprometem a trajetória escolar de uma parte significativa da população estudantil, se aproximando, no caso dos estados em situação mais difícil, a um quarto dos estudantes. Mesmo a taxa média nacional de aprovação já implica uma negação de um direito à aprendizagem de parcela significativa da população, concentrada nos mais pobres, nos pretos e pardos e nos residentes nas áreas rurais.

 

Quadro 4

Brasil e estados escolhidos. 2022 Rede Pública. Taxa Total de aprovação.  Ensino Médio.

Fonte: https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/indicadores-educacionais/taxas-de-rendimento-escolar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A questão da baixa taxa de aprovação dos estudantes do Ensino Médio só pode ser subestimada pelos que não conhecem os dados publicados pelo INEP. A taxa média nacional, em 2022, ficou em 85,1%, ou seja, quase 15% dos estudantes foram reprovados ou abandonaram os estudos. O Ceará se destaca novamente com a maior taxa de aprovação (96,4%) consideravelmente acima da média nacional. Os cinco estados com as menores taxas de aprovação, oscilam entre um patamar de aproximadamente 80% e 71%. São taxas muito baixas que indicam a urgência de políticas de combate à reprovação e abandono convivendo com baixos índices de aprendizagem.

No Brasil as taxas de aprovação caem conforme se avança nas etapas da Educação Básica. De uma média nacional de aprovação, no ano de 2022, de 95,3%, nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, se chega a 91,0% nos Anos Finais do Ensino Fundamental e a 85,1% no Ensino Médio, todos os dados se referindo à rede pública. No período de 2007 a 2022 houve um processo lento e contínuo de crescimento das taxas de aprovação em todas as etapas da Educação Básica. Nos anos de 2020 e 2021, sob a influência de recomendações do CNE, os sistemas públicos de ensino adotaram políticas de promoção automática elevando as taxas de aprovação dos estudantes. Em 2022, esses níveis elevados de aprovação foram revertidos, ao que tudo indica conduzindo a uma “taxa costumeira de aprovação” praticada em cada rede escolar. No Ensino Fundamental, especialmente no Anos Iniciais, onde a presença dos municípios é majoritária, se faz necessária a efetivação do regime de colaboração do estado com seus municípios, para melhoria das condições de manutenção e desenvolvimento dos sistemas educacionais. Evidentemente, o papel suplementar da União, além das transferências obrigatórias do FUNDEB, também é importante. No Ensino Médio, sob responsabilidade predominante dos estados, tanto a taxa média nacional de aprovação dos estudantes, quanto as obtidas pelos estados com pior desempenho exigem políticas efetivas para melhoria das taxas de aprovação. A expansão da oferta de vagas em regime de tempo integral tem contribuído significativamente para a redução da reprovação e abandono e para a elevação da aprendizagem.

Tendo em vista esses baixos índices de aprovação dos estudantes, e o baixo ritmo de elevação das taxas de aprovação, como deveriam ser as políticas de promoção da aprendizagem e da aprovação de estudantes? Uma forma aparentemente eficaz é a adoção de normas que criem sistemas de ciclos com conjuntos de séries-ano que podem incluir etapas inteiras da Educação Básica. O efeito deste formato é imediato, principalmente nos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), visto ser este o produto da multiplicação taxa de aprovação pela taxa de proficiência (nota média padronizada) dos estudantes, na melhoria do fluxo de estudantes, na redução dos custos de manutenção das redes pelo crescimento da matrícula decorrente da retenção de estudantes, entre outros.

Um efeito colateral, se não forem devidamente comunicadas as razões da adoção da política educacional com o formato descrito, pode ser uma reação dos professores que eventualmente têm dificuldades em entender o propósito e os meios utilizados pela política desenhada pela autoridade educacional central. Em geral, uma estratégia eficiente e desejável de construção participativa da política educacional envolvendo os diversos níveis da gestão da rede escolar e dos professores demanda muito tempo que pode colidir com a urgência na elevação das taxas de aprovação que estão, em muitas redes, comprometendo o futuro escolar de um número imenso de crianças e jovens. Navegar entre esses dois polos: urgência na elevação das taxas de aprovação e tempo necessário para o engajamento das comunidades escolares na construção de uma eficiente cultura da aprendizagem em substituição à cultura da reprovação é o desafio de todos os gestores educacionais, especialmente daqueles que se defrontam com baixas taxas de aprovação, aceitas com um significativo grau de fatalismo pelos colegas e mesmo pela sociedade. Tudo começa pelo conhecimento das taxas de aprovação, reprovação e abandono e de suas consequências para a rede escolar e, muito especialmente, para a trajetória escolar de cada um (a) de nossos (as) estudantes.

 

Para saber mais:

GOIS, Antônio. O ponto a que chegamos: duzentos anos de atraso educacional e seu impacto nas políticas do presente. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2022.

SUBRINHO, Josué Modesto Dos Passos. A resiliência da reprovação escolar. Saense.

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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