Ailton Silva dos Santos
Mestre em História (PROHIS/UFS)
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)
E-mail: ailton@getempo.org
O termo Pós-Modernidade é entendido como um conjunto de pensamentos que perpassam o âmbito da cultura, política, ciências sociais e a filosofia. Mas, não pressupõe uma delimitação precisa de conceitos e características do que faria algo ser pós-moderno. Contudo, sua origem pode ser identificada entre alguns sociólogos norte-americanos que no início da Guerra Fria se empenharam em colocar em xeque marxismo, especialmente a noção de luta de classes.
O cyberpunk é um subgênero da ficção científica que se desenvolveu não somente em livros, mas em filmes, animações e jogos eletrônicos. Vale destacar que vários estudiosos se dedicaram a refletir e analisar tal gênero literário que, na maioria das concepções criativas, representa o indivíduo como um ser híbrido, um simbionte digital e humano, e essas narrativas costumam discutir questões morais. Entrementes, pode ser entendido como um subgênero que permite pensar sobre um ‘ser’ ou um ‘sujeito’ pós-moderno, marcado pela integração íntima entre o homem, enquanto espécie, e a tecnologia e Inteligência Artificial em um futuro não tão distante. Portanto, podemos concluir que é justamente por unir a alta tecnologia com a contracultura do punk, que o cyberpunk tem a capacidade de representar uma gênese pós-moderna.
Apresentando e permitindo a discussão de conceitos inerentes ao consumismo. Onde os sujeitos são sufocados por propaganda e objetos que adquirem vida, através da elevação de seu status a um patamar quase mágico de necessidade. Como se a vida não existisse ou tivesse sentido sem tais utensílios. Sendo a grande maioria aparatos tecnológicos como carros, apartamentos high-techs, prédios cada vez mais altos com cômodos cada vez menores e o consumo desenfreado de fast-foods. Podemos aqui fazer um paralelo com o que Bauman descreveu como Modernidade Líquida.
O indivíduo, inserido nas narrativas cyberpunk, sempre está à margem, onde costuma questionar a sua existência e significado no mundo. Não querendo atribuir a si um status de herói, não busca a autocompreensão por um bem que beneficie a humanidade, como necessidade final. É, antes de tudo, uma busca por benefício próprio, não importando quem lhes rodeia. Uma característica cada vez mais acentuada na contemporaneidade, na vida nas grandes metrópoles, que são construções imagéticas das existentes em nossa sociedade.
De fato, o cyberpunk é frequentemente ambientado nos EUA, sua vertente oriental no Japão, sendo uma extrapolação futurística de grandes cidades como Detroit, México ou São Paulo, por exemplo. Os autores que desenvolveram essa vertente da ficção cientifica buscavam a influência real do cenário futurístico no presente distópico. Observavam a realidade política, social e econômica em que viviam, até então uma sociedade afetada pela realidade da guerra e a tensão que foi instaurada pela Guerra Fria.
É importante perceber que a ficção cientifica oferece um modo de representação alternativo para a sociedade, e que é adequado ao momento histórico de sua criação, tentando desenhar um quadro filosófico, e até metafísico, sobre os eventos que compõe ou influenciam a vida cotidiana. Contudo, o cenário e os personagens cyberpunks, trazem no cerne o sentimento de derrota e descrença no futuro da humanidade. Buscando o fim do corpo. Pois, em suas construções, existem um acentuado desdém e negação em relação ao físico. A carne é irrelevante se comparado com a memória, com os dados de computador e as modificações que a tecnologia e a inteligência artificial são capazes de proporcionar.
Um fim onde o indivíduo mergulha cada vez mais na dependência da tecnologia, e na melancolia, emergindo cada vez mais no ambiente virtual e em drogas sintéticas a fim de fugir do sentimento niilista predominante. Contudo, também temos nessas personagens a chamada atitude “Faça Você Mesmo”, que tem sua origem no movimento punk e é baseada na ação, na não apatia e na resistência.
Por sua vez, a alienação é uma marca intensificada com a Revolução Industrial e a padronização oriunda da produção em massa. Observasse que, quando grupos contraculturais adquirem alguma autoconsciência de sua alienação, normalmente passam a rejeitá-la.
Vale destacar que no cyberpunk é notável uma resistência a tecnocracia, aos usos comuns que é dado aos objetos de natureza tecnológica. Como exemplo temos Neuromancer, livro de Willian Gibson, onde a rua encontra novas formas de usar a tecnologia. Essas características fazem parte de uma atitude marginal que qualifica o Cowboy Cibernético, anti-heróis e indivíduos párias da sociedade, que se cercam de tecnologia a fim de combater a própria influência tecnológica. Portanto, se alienam em sua existência individual, emergindo na alienação coletiva que é o ciberespaço, para fugir da alienação institucional e ao controle dos grandes conglomerados de empresas.
Em si, um indivíduo cyberpunk não possui um lugar e é contraditório em sua essência. Sujeito, e sociedade, que sangra ao buscar viver entre o consumismo frívolo, relacionamentos vagos e os sentimentos puídos pela negatividade de sua realidade material. Sentimento transmitido à ficção, a partir do que é observado na não ficção da vida cotidiana.