Deu no New York Times: Sergipe e a Segunda Guerra Mundial

 

Dilton Cândido Santos Maynard

Professor do Departamento de História da UFS

Bolsista Produtividade CNPq e líder do Grupo de Estudos do Tempo Presente

Coordenador do Projeto Segunda Guerra Mundial no Nordeste Brasileiro: cotidiano e transformação social, apoiado pelo Edital FAPITEC/SE/FUNTEC N° 01/2024 – PROGRAMA DE AUXÍLIO AO DESENVOLVIMENTO DE PESQUISA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA – UNIVERSAL. 

Helen Post Papers, Arquivos do Museu Amon Carter de Arte Americana, Fort Worth, Texas. Disponível em: https://www.cartermuseum.org/collection/man-reading-new-york-times-handwritten-notes-about-newspaper-headlines-and-permission

 

Deu no New York Times em 25 de agosto de 1942: “a cidade de Aracaju, capital do estado de Sergipe, será apagada todas as noites, e quem estiver nas ruas após as 23h será preso”. Foi assim que as consequências imediatas dos torpedeamentos de navios mercantes, ocorridos poucos dias antes, em pleno litoral brasileiro, em águas da Bahia e de Sergipe, começaram a repercutir na imprensa estrangeira. O jornal New Orleans State, por exemplo, no mesmo 25 de agosto, informou sobre a tragédia: “seus navios, engajados no comércio costeiro, foram torpedeados em suas costas. Muitos brasileiros foram mortos nesses ultrajes”.

Dias antes, em 21 de agosto, o jornal El Telégrafo afirmou que o Equador, “como os demais países da América, sentiu-se profundamente comovido e profundamente indignado, ante o temerário e premeditado ataque dos submarinos alemães ao comboio de navios mercantes brasileiros, que navegava em calma viagem territorial do Brasil, muito próximo ao litoral”. Pouco depois, em 28 de agosto, o presidente cubano Fulgêncio Batista assinou o Decreto-Lei nº 2390, condenando o ataque. Os afundamentos provocaram a declaração de guerra do Brasil à Alemanha e à Itália, naquele que, conforme o historiador escocês Neil Lochery, foi descrito pelos estadunidenses como o nosso próprio “Pearl Harbor”, em alusão ao ataque japonês aos EUA em dezembro de 1941.

Mas, afinal de contas, o que ocorreu? Na noite de sábado, 15 de agosto, em águas de Sergipe, pouco depois do jantar, os tripulantes e passageiros do navio mercante Baependy sentiram o impacto e o estrondo provocado pelo ataque do submarino alemão U-507. Além do Baependy, o Araraquara, que também navegava na região, foi torpedeado na mesma noite. Outro navio, o Aníbal Benévolo, estava a cerca de 7 milhas das praias sergipanas quando foi atacado. Pouco depois, foi a vez do Itagiba, que navegava com 179 ocupantes, sendo 119 passageiros e 60 tripulantes.  O navio teve parte dos náufragos resgatada pelo Arará (com 35 tripulantes) já no domingo. Atento todo o tempo, o Kommandant do submarino nazista esperou os náufragos subirem a bordo e, em seguida, também torpedeou aquela embarcação.

Os frutos da ofensiva submarina do U-507, os náufragos e destroços do Baependy, do Aníbal Benévolo e do Araraquara, chegaram às praias da região sul de Sergipe. Cadáveres foram parar nas proximidades da Praia de Atalaia, em Aracaju. Restos de gente, corpos nus, mutilados, corroídos, inchados apareceram e chocaram os habitantes da capital, além de Estância e dos povoados Praia do Saco e Porto Mato. Ao final, os ataques mataram tripulantes das embarcações, passageiros militares e civis. A tragédia não poupou nem mesmo crianças. No caso do Baependy, embarcação com maior contingente (eram 323 pessoas, sendo 73 tripulantes e 250 passageiros), que transportava filhos de oficiais do 7º Grupo de Artilharia de Dorso, nenhuma sobreviveu, como observou o cronista Santos Santana em Aracaju dos meus amores, livro de 1983.

E a pacata Aracaju não estava preparada para tamanha tragédia. Tudo precisou ser improvisado. Os sobreviventes que chegaram à capital foram distribuídos entre os hotéis da cidade, a exemplo do Hotel Central, Hotel Rubina, Hotel Marozzi, Avenida Hotel, Hotel Sul Americano. Além do Hospital de Cirurgia, o Palácio do Governo, o Quartel do 28º Batalhão de Caçadores e até mesmo as casas de algumas pessoas da cidade acolheram náufragos. E, com as vítimas, também chegaram às praias diversos pertences pessoais, tais como joias, roupas, sapatos, carteiras etc.

No entanto, essas peças não serviram apenas para identificação dos corpos. Elas também instigaram a cobiça de alguns. O saque aos mortos, embora combatido e criticado, ocorreu com uma frequência maior do que imaginamos. O exemplo de Nelson de Rubina, acusado de furtar três anéis do corpo de Virgínia Auto de Andrade, é talvez o mais conhecido na historiografia regional graças ao trabalho de Maria L. Pérola Barros, autora do livro O Senhor dos Anéis na Aracaju que viu a Guerra: o caso de Nelson Rubina (1942-1943), recentemente publicado pela Editora Manacá. Outro exemplo, também envolvendo joias, ocorreu com Eduardo Alexandre Bauman, um segundo-tenente de 27 anos, cujo corpo foi encontrado na Barra de São Cristóvão pelas autoridades apresentando “esmagamento parcial de partes moles – dos dedos anular e médio da mão direita e uma contusão da região frontal”, fruto do esforço feito para arrancar dele a aliança.

Como se pode perceber pelos casos acima, os torpedeamentos trouxeram consequências nefastas ao cotidiano dos sergipanos. Noticiados por jornais de diversas partes do mundo, o susto, o assombro e o medo conviveram com o desejo, a ganância e o senso de oportunidade. Todavia, destacamos que os estudos históricos pouco exploraram tais saques, tais posturas nada elogiáveis diante do horror. Por essa mesma razão, é importante lembrar que não apenas a gente mais simples, a “arraia miúda”, roubou dos mortos. Gente viva, muito viva, situada em posições não tão desprestigiadas assim da pirâmide social, se beneficiou em meio à confusão dos torpedeamentos. Essa é uma história que precisará ser escrita. Essa e muitas outras.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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