Pedro Carvalho Oliveira
Professor de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Vale do São Francisco.
Desde 2017 desenvolve pesquisa sobre as Ligas Camponesas no Nordeste do Brasil
“A luta não pode parar. Enquanto se diz que tem fome, salário de miséria, o povo tem que lutar”. Estas são algumas das últimas palavras proferidas por Elizabeth Teixeira no célebre documentário “Cabra Marcado pra Morrer”, do cineasta brasileiro Eduardo Coutinho. À época em que a produção foi lançada, resgatando a luta dos camponeses organizados na Paraíba, Elizabeth tinha 60 anos de idade e testemunhava uma reabertura à democracia após anos de ditadura militar. Temia, como diz nas cenas registradas pela referida película, uma democracia sem liberdade e contaminada pelo germe do autoritarismo duradouro dos anos passados. Sua desconfiança tinha um motivo: ativa participante do movimento camponês organizado, viu seus companheiros serem presos, torturados, mortos e perseguidos nos desenlaces políticos iniciados em 1964. Portanto, não era fácil crer num Brasil diferente.
Elizabeth Altino Teixeira nasceu em 13 de fevereiro de 1925. Em 2025, completará 100 anos de uma vida marcada pela luta por redução das diferenças sociais e da miséria dos trabalhadores rurais nordestinos. Nascida e criada em Sapé, região da mata paraibana, cresceu convivendo com o pauperismo que massacrava sua família e amigos, todos camponeses explorados pelo sistema latifundiário. Num universo em que as mulheres costumavam morrer aos quarenta anos de idade, podemos dizer que Elizabeth venceu as estatísticas. A miséria do meio, a falta de alimentação adequada e a indisponibilidade de terras para a subsistência vulnerabilizavam aqueles camponeses a tal ponto que a morte era parte do cotidiano.
Como resposta a esse cenário dramático, surgiu entre o final dos anos 1950 e início dos anos 1960 a Associação dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas de Sapé. O objetivo da organização era angariar apoio entre os trabalhadores rurais para pressionar os latifundiários a concederem e respeitarem os direitos trabalhistas previstos na lei. Reivindicavam também a reforma agrária, a partir da qual os camponeses poderiam deixar a condição de dependência extrema dos grandes proprietários de terra. Estes, vale destacar, eram herdeiros de latifúndios cujos limites haviam sido traçados durante o período das capitanias hereditárias, início do processo colonizador brasileiro. Para os latifundiários, qualquer reforma era uma ameaça aos seus duradouros privilégios. Um dos líderes da Associação era João Pedro Teixeira, com quem Elizabeth se casou.
Em abril de 1962, Elizabeth tornou-se viúva. João Pedro, naquele momento considerado um dos maiores representantes paraibanos do movimento regional que ficara conhecido como Ligas Camponesas, foi morto por jagunços a mando de latifundiários. O propósito do covarde assassinato era diminuir a força dos camponeses criando um clima de medo entre eles. Não foi o que aconteceu. Elizabeth, uma das herdeiras da liderança camponesa, protagonizou junto com outros aliados protestos e manifestações cujo impacto entre a população foi enorme. Ao denunciar a violência no campo contra os pobres, mexeram em um vespeiro. Em 1964, quando o golpe civil-militar se efetivou, os camponeses de Sapé, como outras unidades das Ligas Camponesas do Nordeste, foram duramente reprimidos. Muitos latifundiários participaram das perseguições.
Atualmente, ainda falamos de pessoas desprovidas de terra para plantar, de pessoas resgatadas em latifúndios exercendo trabalho análogo à escravidão, na penúria com a qual sertanejos nordestinos vivem. Eis a importância de comemorar o centenário de Elizabeth Teixeira, um símbolo da luta por uma vida mais digna e justa no campo. O legado desta camponesa merece ser perpetuado, sobretudo em um país onde o patrimonialismo ainda é basilar para as estruturas sociais vigentes. Lembrar Elizabeth é reconhecer que um futuro diferente, menos desigual, ainda é possível.