Imagens sem passado

Maria Luiza Pérola Dantas Barros

Doutoranda em História Comparada (PPGHC/UFRJ)

Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)

E-mail: perola@getempo.org

Exemplos de rostos falsos gerados pela IA. Fonte: https://hypescience.com/essa-pessoa-nao-existe-site-exibe-rostos-perfeitos-gerados-por-inteligencia-artificial/#google_vignette

 

Há pouco celebramos o dia mundial da fotografia e, sempre que tenho a oportunidade de conversar com interessados nas potencialidades da pesquisa com esse recurso, um fantasma parece assombrar à muitos: como utilizá-lo como fonte em tempos em que a imagem pode ser um registro de algo que nunca existiu? Como saber o que é verdade?

Esse fantasma ronda grandes vultos da área, como o autor Boris Kossoy que, em 2021, escreveu apontando que imagens de pessoas geradas por Inteligência Artificial não seriam representações fotográficas, mas a própria negação da fotografia, “representações fantasmas que simulam ser fotografia, de máscaras com feições humanas” (p.31), questionando como, num futuro próximo, farão os pesquisadores que necessitam de imagens como documentos e fontes.

É humano se espantar com os avanços tecnológicos: no século XIX, a emergência da fotografia trouxe consigo o temor de que as máquinas suplantassem o ser homem… Na virada do século XX para o XXI, a conversão da ideia de fotografia analógica para digital fez que seu conceito tradicional, ligado à veracidade, sofresse forte abalo. Agora, o espanto gravita em torno da possibilidade de geração de imagens sem passado, mas que dão a impressão de realidade/verdade, por inteligência artificial. Nesses momentos, um discurso quase apocalíptico nos ronda: “acabou o que conhecíamos!” Mas será mesmo assim?

Convencionamo-nos a pensar a fotografia como o registro de algo que existiu e foi “grafado com a luz” em uma determinada superfície. Sem perder isso de vista, faz-se necessário lembrar que aquele real que vemos na imagem foi planejado de muitas formas, sendo também uma construção humana.

A pintura não desapareceu com a fotografia, nem a sua versão analógica com a emergência da digital. Muito possivelmente, a fotografia que conhecemos hoje não desaparecerá com as imagens geradas por IA. O que talvez precisamos entender é que essas imagens artificiais de alguma maneira também têm o real por referente (basta pensarmos que se valem de bancos de imagens reais para sua confecção), também são pensadas e construídas, e, no futuro, poderão dizer muito de nossa existência em sociedade hoje. Já pensaram nisso?

 

Para saber mais:

KOSSOY, Boris. Fotografia e História: as tramas da representação fotográfica. Projeto História, São Paulo, v. 70, p. 9-35, Jan.-Abr., 2021.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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