Josué Modesto dos Passos Subrinho
Em 2021, em plena pandemia de covid-19, começou a implementação do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), instituído pela Emenda Constitucional 108/2020. As principais modificações em relação ao FUNDEB anterior, que vigorou entre 2004 e 2020, são: a) caráter permanente; b) ampliação da contribuição do Governo Federal aos fundos, passando de 10% do total até chegar a 23%, com incrementos anuais, alcançando o máximo no ano de 2026; c) aprofundamento do caráter redistributivo com a transferência automática de recursos do Governo Federal aos municípios que tivessem o Valor Aluno Ano Total (VAAT) abaixo do mínimo nacional, mesmo que o município estivesse localizado em estado com média acima do mínimo nacional; d) criação de um fator de incentivo às boas práticas educacionais (VAAR).
Os valores, os critérios, e o cronograma de liberação de recursos, referentes ao ano de 2023, foram estabelecidos na Portaria Interministerial n.7 de 29 de dezembro de 2022.
Quanto a Sergipe, a portaria previu a complementação VAAT para 38 municípios, que receberão um total de R$108.255.442,55. Desde 2021, alguns municípios sergipanos começaram a receber essas transferências. Tomemos como exemplo o município de Pedrinhas. A previsão do VAAT do município para 2023 é de R$4.885,25 e o mínimo nacional é de R$8.180,24. O município receberá, portanto, uma complementação de R$3.294,96 por aluno/ano para atingir o valor mínimo nacional, e o total da transferência será de R$7.871.990,55. Note-se o impacto sobre a disponibilidade de recursos para melhorar a qualidade do ensino nesse pequeno município sergipano. Em termos percentuais, o valor Aluno Ano Total após a transferência do Governo Federal tem um crescimento de 67,4%. Seguem-se mais 37 municípios sergipanos com VAAT abaixo do mínimo nacional que receberão a transferência direta e automática do Governo Federal.
O VAAT transferido pelo Governo Federal corresponde, em 2023, a 6,25% do total do FUNDEB, devendo atingir, em 2026, 10,5%. Há, portanto, possibilidade de inclusão de mais municípios sergipanos na medida em que maiores valores serão distribuídos, dependendo da evolução da arrecadação tributária dos municípios e do estado e de suas respectivas matrículas.
Neste ano de 2023, estamos testemunhando a implantação de uma importante fase do FUNDEB; a primeira distribuição da parcela VAAR, num montante equivalente a 0,75% do total do FUNDEB. Essa parcela atingirá o percentual máximo de 2,5% do valor do fundo em 2026. Como já mencionado, a importante inovação trazida por essa parcela é a indução de boas práticas, através da checagem, pelo Ministério da Educação, do cumprimento daquelas pelos municípios como condição para a qualificação desses para receber o novo recurso. Além das condicionalidades, para receber a complementação VAAR, as redes precisam apresentar melhorias de atendimento e de aprendizagem bem como de redução das desigualdades entre os estudantes.
Abaixo, relacionamos as condicionalidades e o número de municípios sergipanos que atenderam a cada uma delas. A Portaria Interministerial citada traz a relação nominal com o detalhamento dos critérios.
I – “Provimento do cargo ou função de gestor escolar de acordo com critérios técnicos de mérito e desempenho ou a partir de escolha realizada com a participação da comunidade escolar dentre candidatos aprovados previamente em avaliação de mérito e desempenho.”
Conhecendo-se o histórico da educação pública sergipana e a prática generalizada em outras regiões de desconsiderar esses critérios, agora prescritos legalmente, poderíamos imaginar resistências na sua aplicação. Todos os municípios sergipanos declararam, entretanto, estar cumprindo os critérios e, portanto, foram considerados, no que diz respeito a esse ponto, aptos a receber a complementação. A rede estadual de Sergipe está entre as que adotaram essa importante inovação antes da Emenda Constitucional 108/2020. Em 2019, através de edital público, e novamente em 2022, com outro edital, seguindo os parâmetros fixados na Lei Estadual N. 8.969 de 13.01.2022, não apenas os diretores escolares foram escolhidos após o processo seletivo lastreado em critérios técnico de mérito e desempenho, mas também os diretores regionais de educação.
II – “Participação de pelo menos 80% (oitenta por cento) dos estudantes de cada ano escolar periodicamente avaliado em cada rede de ensino por meio dos exames nacionais do sistema nacional de avaliação da educação básica.”
Esta condicionalidade foi atendida apenas por 21 dos nossos municípios. O fato de Sergipe ser um dos últimos estados brasileiros a instituir um sistema estadual de avaliação da educação básica, de o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) não ter sido recepcionado com a diligência que necessita, especialmente pelas autoridades educacionais, torna o cumprimento dessa condicionalidade, que não exige tantos esforços para o atendimento, desafiador para a maioria dos nossos municípios. É possível que o desenvolvimento da cultura da avaliação entre nós, tão necessária em todas as suas dimensões, facilite, no futuro, o alcance dessa condicionalidade por todos os nossos municípios.
III – “Redução das desigualdades educacionais socioeconômicas e raciais medidas nos exames nacionais do sistema nacional de avaliação da educação básica, respeitadas as especificidades da educação escolar indígena e suas realidades”.
Essa é, possivelmente, a condicionalidade mais desafiadora para o alcance e manutenção no transcorrer do tempo. Para o nosso Estado e para cada um dos seus municípios, construir uma trajetória consistente de melhoria da qualidade de ensino tem sido extremamente desafiador. Até então, o que estava sendo medido é o desempenho médio das turmas em etapas da Educação Básica avaliada. O novo FUNDEB exige a medida da redução das desigualdades educacionais socioeconômicas e raciais, demandando, portanto, novas ações para viabilizar a aprendizagem adequada de todos. Segundo a avaliação do MEC, 17 dos nossos 75 municípios atenderam a esse condicionalidade.
IV – “Regime de colaboração entre estado e municípios formalizado na legislação estadual e em execução, nos termos do inciso II do parágrafo único do art. 158 da Constituição Federal e do art. 3º da Emenda Constitucional nº 108, de 26 de agosto de 2020 – (ICMS Educação)”
Essa é uma condicionalidade cujo cumprimento está sob responsabilidade do Governo Estadual, que deve propor mudanças legais na forma de distribuição da parte do ICMS aos municípios não vinculada ao Valor Adicional gerado localmente. O impacto da experiência do Estado do Ceará, que utilizou critérios de distribuição dessa parte da quota municipal do ICMS tendo em vista o desempenho do município na qualidade da educação ministrada em suas escolas, inspirara alguns estados a promover modificações legais assemelhadas. A Emenda Constitucional 108/2020 determinou um prazo de 2 anos para que todos os estados fizessem as mudanças legais na forma de distribuição da quota municipal. Em Sergipe, a adequação legal da distribuição do ICMS, condizente com um regime de colaboração educacional com os municípios, fora feita em 2019. Uma mudança compatibilizando as medições que serão feitas, de acordo com o novo FUNDEB, foi realizada em 2022. Como os municípios, para essa condicionalidade, têm um papel passivo e o Governo Estadual cumpriu sua obrigação, todos os municípios sergipanos receberam do MEC avaliação positiva nesse item.
V – “Referenciais curriculares alinhados à Base Nacional Comum Curricular, aprovados nos termos do respectivo sistema de ensino.”
Houve uma grande mobilização nacional para adequação dos currículos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental aos parâmetros fixados pela Base Nacional Comum Curricular, contando com o apoio técnico de instituições educacionais do terceiro setor. Em Sergipe, a mobilização de professoras, professores, técnicos educacionais e equipes dirigentes tanto das redes municipais quanto da rede estadual e, em um segundo momento, do Conselho Estadual de Educação e Conselhos Municipais de Educação permitiram a construção do Currículo Sergipano adotado, em tempo hábil, por todos. Apenas um município não cumpriu essa condicionalidade. Há que se examinar se de fato o município não cumpriu, ou se não registrou adequadamente no sítio eletrônico do MEC o cumprimento da condicionalidade.
O resultado foi que dos 75 municípios sergipanos, 21 estão habilitados para receber, do Governo Federal, a complementação VAAR, num valor total de R$12.609.322,41. Desses 21 municípios, apenas 8 também receberão a complementação VAAT; isto é, 13 municípios sergipanos beneficiados com a parcela VAAR já dispõem de recursos para a educação básica acima do mínimo nacional, entre os quais Aracaju, que em 2023 tem um VAAT estimado em R$14.818,24, ou seja, 181% do VAAT mínimo nacional e receberá do Governo Federal uma complementação VAAR total de R$ 2.427.143,85.
A justificativa é que essa parcela contempla exatamente os municípios cujos resultados comprovados atendem a todas as condicionalidades estabelecidas em Lei, sendo mais um reconhecimento, uma premiação, do que uma fonte permanente de financiamento da educação básica.
Esse é um ponto que merece destaque. A experiência internacional em gestão da educação pública recomenda as premiações efetivas e simbólicas como elementos relevantes para o reforço das boas práticas, tanto para os diretamente envolvidos no processo educacional quanto para os dirigentes políticos. É preciso, portanto, dar maior visibilidade as melhores práticas, às redes públicas de educação que conseguem os melhores resultados em aprendizagem e equidade.
Em Sergipe, há a previsão da construção de um índice para a redistribuição da quota municipal do ICMS após a divulgação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica de Sergipe, referente ao ano de 2022 (IDESE), cujos resultados, comparados com o IDESE 2021, serão aplicados na distribuição das quotas municipais do ICMS em 2024. A atual equipe do Ministério da Educação está fortemente comprometida com a agenda da aprendizagem e da equidade. Espera-se que toda a persuasão do Governo Federal seja legitimamente exercida para que os estados e municípios que ainda não estabilizaram trajetórias de sucesso educacional o façam com a urgência e vigor dos que chegam atrasado. Finalmente, a desejada e necessária regulamentação do Sistema Nacional de Educação permitirá o compartilhamento de responsabilidades e experiências entre os distintos entes da Federação.