Ailton Silva dos Santos
Mestrando em História (PROHIS/UFS)
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)
E-mail: ailton@getempo.org
Na atualidade, os quadrinhos passaram a ser aclamados entre o público em geral, por ser a matéria-prima de filmes de super-heróis. Contudo, outrora, era uma mídia marginalizada, e o segue sendo em alguns meios como o acadêmico, sofrendo muito preconceito em seus primórdios. A abertura do cenário para temas complexos, indo além de estórias engessadas de heróis ou tematizados no velho oeste americano, motivou produções no chamado submundo (underground) e foram esses artistas que abordaram temas adultos, difíceis e bastante sensíveis; como o holocausto.
Quando relacionamos quadrinhos e o genocídio judeu perpetrado pelos Nazistas, Maus é a principal referência para o debate. Contudo, Raça Superior (Master Race, no original) é uma produção fortemente aclamada, embora isso se dê entre artistas do gênero e entusiastas, que, além de influenciar Frank Miller na construção de seu Cavaleiro das Trevas, fora, também, assim como seu autor e desbravador dos quadrinhos Bernard Krigstein, fonte de inspiração e motivação para Art Spiegelman criar a sua mundialmente famosa obra. Na época, década de 1950, Krigstein evidenciou o potencial da mídia, e expressou tal ideia também em seu romance gráfico (Graphic Novel) que narra, em oito páginas, o encontro de um agente do nazismo escondido nos Estados Unidos com um antigo aprisionado do campo de concentração Bergen-Belsen. Entrementes, era comum referenciar campos de concentração imaginários com nomes inventados, em respeito às vítimas e para não expor a chocante realidade, o que não fora seguido na publicação da IMPACT (onde Master Race foi veiculado). Sendo um dos poucos artistas a trabalhar essa temática na arte e o primeiro norte-americano a fazê-lo de maneira clara. Poucos no período buscaram entender como um literato, formado em História da Arte, poderia se ocupar em produzir quadrinhos.
No entanto, Maus propõe uma viagem, que chega a ser perturbadora, através de um momento da vida do autor, enquanto evidencia a história através de um depoimento trágico transmitido entre quadros e balões de texto. Publicado em 1986, é um romance gráfico em preto e branco no qual os judeus são camundongos e os nazistas, gatos. Outras nacionalidades são também representadas: os poloneses sendo porcos, os americanos como cães e franceses, sapos. Entrementes, diferente da edição em volume único, com fácil acesso nos dias de hoje, fora inicialmente publicada em partes desde 1980 nas páginas da revista underground Raw (antologia editada por Art Spiegelman e Françoise Mouly), que, dada sua proposta e atuação, se caracteriza como um movimento de artistas independentes. Contudo, podem-se fazer, e muito se fez, perguntas como: não seria insólito representar os horrores, e reflexos, do holocausto em quadrinhos? Entretanto, pensemos um pouco, com um acontecimento histórico amplamente abordado como esse, é preciso olhar tal período através de outras perspectivas e pontos de vistas a fim de melhor se abarcar em conteúdo, não somente em quantidade, a sua abrangência que está longe de um dia ser totalmente abarcada. Ao passo que, muito do que pôde ser resgatado desse momento, os historiadores fizeram através de fontes não oficiais; como relatos, cartas e diários.
Muito da perseguição, e posterior genocídio, que os nazistas promoveram entre 1933 e 1945 chegou tarde e em formatos variados, inconstantes, às mãos dos pesquisadores e ao conhecimento da sociedade. Fontes e fatos permaneceram ocultos por longos anos, silenciados também por serem incômodos; lembremos do Diário de Anne Frank, e que contar e expor essa história também fora algo realizado por pessoas que não eram historiadoras. Outrossim, o cinema gerou ficções que variaram entre dramas mais ou menos reais e construções que flertaram com a comédia. Filmes que foram bem aceitos, criticados e/ou rechaçados por trabalharem com o tema.
Por fim, a maneira que Art Spiegelman contou a história do seu pai, Vladek Spiegelman, e a sua própria foi através de uma entrega artística única que culminou em um dos quadrinhos mais consagrados do mundo; conquistando, inclusive, um prêmio Pulitzer em 1992. Maus foi fartamente lido, recomendado e alcançou searas que a literatura cientifica não chegou a alcançar e figura, entre escolas norte-americanas, como biografia recomendada para o ensino básico. Portanto, os quadrinhos são uma maneira de instruir e abrir espaço para o debate acerca desse horror que pintou um terrível quadro na história humana.
Para saber mais:
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/03/23/album/1490283326_853935.html
https://www.youtube.com/watch?v=T9PPLPCAm5Y&t=1567s