MGTOW, Incels, Redpill e o eco do nazismo na sociedade

Ailton Silva dos Santos

Mestre em História (PROHIS/UFS)

Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)

E-mail: ailton@getempo.org

Fonte: Mão ofertando a pílula vermelha. Fonte: https://ur1.app/Gm2pI

 

Fazendo uma referência enviesada ao filme Matrix, o masculinismo se apropriou desse termo para autodenominar indivíduos que se dizem conscientes e livres da decadência social que, em sua imensa maioria, é causado pelas mulheres; essas tidas como privilegiadas, além de aproveitadoras e interesseiras. Entrementes, o “movimento” Redpill é posterior aos chamados MGTOW, sigla para “men going their own way” (homens seguindo o seu próprio caminho), que prega que a sociedade deve romper com as mulheres porque o Feminismo as tornou perigosas, e os Incels (celibatários involuntários), que culpam o sexo feminino por não conseguirem ter relações sexuais.

Dentro desses grupos, são defendidos alguns “mandamentos” como: “amar a si próprio acima de todas as mulheres” e “jamais se envergonhar dos seus instintos de homem”, e passou a ser comum a utilização de designações como “alfa” e “beta” para classificar os homens. Entretanto, o próprio termo que utilizam para si surgiu de um erro que já fora corrigido na comunidade cientifica e, contudo, segue sendo erroneamente utilizado na sociedade em geral; sobretudo por conta do advento das redes sociais.

Na década de 70 do século passado, a partir de um estudo com lobos, o Dr. L. David Mec escreveu o livro The Wolf: The Ecology and Behavior of an Endangered Species (O lobo: a ecologia e o comportamento de uma espécie em extinção), que, durante décadas, foi considerado uma obra de referência sobre os hábitos do animal. Entrementes, a pesquisa não discorria sobre os hábitos dos lobos na natureza, mas sim em cativeiro, onde se estabelece uma hierarquia linear baseada em dominância de recursos, como alimentos e fêmeas, a partir da coerção violenta. Portanto, tal comportamento não corresponde aos costumes de organização natural da espécie. A partir do final dos anos 90, com novas pesquisas, o biólogo observou que o comportamento dos lobos, dentro de uma hierarquia, era completamente diferente. Concluindo que as designações alfa e beta estavam erradas. O equívoco científico foi corrigido, algo comum entre a intelectualidade, mas a apropriação cultural na sociedade continuou a reverberar e até hoje, mesmo se tratando de uma falácia, diversos grupos utilizam desse subterfúgio para alienar indivíduos e lucrar em cima de suas inseguranças.

A partir da difusão de alfa e ômega, surgiu a terminologia sigma. Nesse ponto, notamos, mais claramente, o eco do nazismo ao qual nos referimos no título; pois o termo apareceu pela primeira vez em 2010, sendo cunhado pelo norte americano Theodore Robert Beale, um ativista de extrema direita e supremacista branco que, sobre o voto feminino, disse se tratar de “um completo desastre para a civilização ocidental e existe dúvidas que nossa sociedade sobreviva a esse erro por muito tempo”. Beale é conhecido como Vox Day, cuja sonoridade se aproxima de Vox Dei (“Voz de Deus”), e suas ideias foram logo assimiladas pelo terreno fértil em que cada vez mais indivíduos ganharam espaço e angariaram mais seguidores ao reproduzir essa “filosofia” de vida alimentada pela xenofobia e o machismo mascarado de desenvolvimento pessoal, que ensinam fundamentos e pregam, entre outras coisas, um ideal masculino e que os demais, as mulheres em específico, são naturalmente inferiores.

Os movimentos Incel, MGTOW e sobretudo o Redpill bebem de uma fonte ligada ao pensamento de superioridade de um gênero sobre o outro, cuja dominância se estabelece pela “transcendência intelectual”, genética superior e prega, por direito natural, a faculdade do domínio ou apatia pela sociedade que não lhes merece. Uma fonte alimentada pelo pensamento da extrema direita, cujo cerne parte da ideia de que o mundo está decadente e que a mulheres detêm inúmeras vantagens sociais acima dos homens, em qualquer aspecto, e os homens estão sendo perseguidos. Entrementes, podemos nos perguntar: quem acreditava que existia um ideal de individuo determinado geneticamente e que aqueles que não possuíssem determinadas características nem deveriam procriar, pois atrapalhavam a evolução dos “escolhidos”? E ainda que o mundo estava corrompido por uma praga a ser combatida e, em última estância, eliminada? Essas bolhas masculinas ajudam a compreender a ascensão da extrema direita por, justamente, sofrerem sua influência. Invariavelmente, classificar o potencial multidimensional masculino traz transtorno e, isso sim, castra o desenvolvimento emocional e pessoal. Pois existem diversas formas de se viver no mundo, as relações são bem mais complexas do que uma torpe classificação em A, B ou S poderia explicar.

 

Para saber mais:

https://brasil.elpais.com/brasil/2016/05/12/ciencia/1463056020_205639.html

https://rationalwiki.org/wiki/Theodore_Beale

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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