Missão Impossível 7: autoritarismo invisível e a batalha pela verdade

Juliene Kamile da Silva Cavalcante

Graduanda em História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)

Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)

Bolsista do projeto “O Antinazismo Hollywoodiano e a Produção Fílmica Recente (2019-2023)” (PIBIC)

Orientadora: Profa. Dra. Andreza Santos Cruz Maynard

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Em um mundo onde governos e corporações, nos corredores do poder disputam o monopólio da verdade, quem de fato decide o que é real? Neste sentido, este texto propõe uma reflexão sobre o fascismo contemporâneo e o uso da tecnologia como instrumento para o poder, utilizando o filme Missão Impossível: Acerto de Contas – Parte 1 (2023) como ponto de partida para esse debate.

Na trama a vilã principal não é somente uma inteligência artificial (IA) descontrolada, mas um grupo de elites estatais obcecadas com o controle absoluto da verdade e do poder, uma metáfora involuntariamente reveladora para o fascismo contemporâneo.

No entanto, o filme não realiza uma crítica a este fato, nem aos governos que surgem na trama, e impõem objetivos distantes dos reais da sociedade sob o discurso de um “bem comum”. É válido ressaltar, que não se espera que um sucesso de bilheteria de ação seja um tratado político. A discussão não está no filme ignorar certas nuances políticas, pois sua proposta é outra, mas no modo que ele instrumentaliza o mal como algo externo e facilmente identificável.

Como alimentar a ilusão de que subjugar o autoritarismo é tão fácil quanto um salto de Tom Cruise de um arranha-céu, ignorando que o autoritarismo moderno raramente se apresenta de forma escancarada. Pois o fascismo atual frequentemente se mascara atrás de discursos de lei e ordem ou de supostas ameaças externas, como exemplo na narrativa a Rússia, que são utilizadas para justificar medidas cada vez mais rigorosas.

Nesse contexto, o controle da internet é apresentado na narrativa como necessário para a “segurança global”. Richard Evans, no livro “O Terceiro Reich na História e na Memória”, publicado pela editora Planeta do Brasil (2018), relembra que regimes opressores não se sustentam apenas pela violência explícita, mas por explorar medos sociais e crises econômicas, além de promessas de prosperidade e unidade nacional.

A internet, portanto, é vista no filme como um campo de batalha, mas sem questionar quem de fato a manipula, seria então uma ameaça autônoma. O que não condiz nem com a realidade, nem com o mundo ficcional do longa, pois sistemas assim são criados e utilizados por governos e elites interessados em assegurar o poder. O perigo dessa abordagem encontra-se na mensagem subliminar, do problema está na tecnologia fora de controle, e não nas mãos que a programam.

O conflito entre EUA e Rússia no filme, ainda que superficial, também poderia ser lido como uma disputa pelo domínio da verdade, remetendo à lógica maniqueísta da Guerra Fria. Como observado por Karl Schurster e Francisco Carlos T. Silva, em “O Cinema vai à Guerra”, editora Elsevier-Campus (2015), Hollywood costuma simplificar rivalidades geopolíticas, ignorando que ambos os lados podem ser autoritários à sua maneira. No caso dos EUA, isso se expressa usando do lema de unidade nacional, o monitoramento generalizado e a manipulação de dados, práticas que ecoam o totalitarismo que alegam combater.

No fim, o filme cumpre sua promessa de entretenimento e adrenalina, porém caso queiramos entender e combater o extremismo atual, devemos nos lembrar que os vilões mais perigosos não estão em trens em movimento, e sim entre nós, e para vencê-los é preciso mais do que um punho cerrado.

Como escreveu Eric Hobsbawm no seu livro “A Era dos Extremos” distribuído pela Companhia das Letras (1997), o século XX nos ensinou que o fascismo não morreu em 1945, ele se adapta. E hoje ele veste a roupa da “segurança cibernética” e do “controle de dados”.

 

Para saber mais:

 

EVANS, Richard J. Terceiro Reich na história e na memória: novas perspectivas sobre o nazismo, seu poder político, sua intrincada economia e seus efeitos na Alemanha do pós-guerra. Trad. Renato Marques. São Paulo: Planeta do Brasil, 2018.

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O Breve Século XX. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

SCHURSTER, Karl; SILVA, Francisco Carlos Teixeira. A Segunda Guerra Mundial (1939-1945): heroísmo e tragédia. In: O Cinema vai à Guerra. Rio de Janeiro: Elsevier – Campus, 2015.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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