O brincar e a Segunda Guerra Mundial

Maria Luiza Pérola Dantas Barros

Doutoranda em História Comparada (PPGHC/UFRJ)

Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)

E-mail: perola@getempo.org

Revista da Semana, edição de 02/03/1940, p. 8.

 

Iniciamos o mês de outubro e, com ele, vemos um bombardeio de propagandas relacionadas ao Dia das Crianças. Promoções de brinquedos aqui e acolá para atrair os pequenos e capitar o dinheiro dos pais e responsáveis. Para além da economia que se aquece neste período, podemos lançar um olhar para essa atividade que é considerada a principal das crianças, o brincar. Assim como toda prática humana, podemos dizer que o brincar não é um dado posto, antes sofrerá variações no tempo, no espaço e no contexto social em que a criança se encontre. Partindo desse pressuposto, interessa pensar aqui como tal atividade foi afetada nos tempos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Entendendo o brincar como a maneira lúdica de uma criança compreender e assimilar as realidades que a cercam, é possível perceber, a partir das notícias que circulavam no Brasil, em periódicos ilustrados como a Revista da Semana, que no início do conflito o grande apelo era para salvaguardar as crianças das temáticas bélicas.

No editorial da edição de 14/10/1939, a Revista da Semana trazia um pedido para que não se construíssem mais brinquedos com temática bélica, a exemplo dos canhões e dos soldadinhos de chumbo. Diante do horror que a Segunda Guerra apresentava, de crianças “morrendo sob os escombros da cidade que a Civilização dos tanks e dos aviões de bombardeio” estavam arrasando, faz-se um apelo para afastar delas “esses brinquedos perigosos que formam, juntamente com esses livros de aventura que andam por ahi, a mentalidade guerreira das crianças de agora” (p.3).

Esse pensamento inicial não se sustentaria por muito tempo. Na edição de 02/03/1940, é possível perceber que uma das charges da página 8 retrata uma criança, rodeada de brinquedos com temática bélica e, segurando um mini canhão, pergunta a um oficial, que a olha com espanto: “O senhor me ensina como isto funciona?”

Na edição de 08/08/1942, a matéria ilustrada intitulada “Soldadinhos”, já apresentava crianças norte americanas que brincavam/aprendiam com os adultos sobre a temática da guerra, tendo em vista evitar “os choques morais que ocasionaria a surpreza trágica dos bombardeios”. E assim, os contemporâneos vislumbravam a necessidade de ensinar, naquele contexto, de forma lúdica, as crianças sobre blackouts, abrigos antiaéreos e racionamentos dos gêneros alimentícios, por exemplo (p.12).

Na edição de 06/03/1943, a matéria ilustrada da página 30, intitulada “Brinquedos de guerra”, apresenta crianças brincando nos parques de Nova York com aqueles que eram o sucesso de vendas da estação principalmente nas lojas das regiões de trabalhos de guerra: “uma coleção de brinquedos desenhados como miniaturas de tanks, canhões anti-aéreos, lanchas mosquito, aeroplanos e autos de campanha”. Destacava-se ainda que “o traço principal desses brinquedos militares — é que são feitos de material sem uso na guerra”.

Na edição de 24/06/1944, quando o conflito já se encaminhava para a vitória dos Aliados, a Revista da Semana novamente apresentava a preocupação com a infância e o ato de brincar das crianças daquela geração nascida em tempos de guerra, ligado quase que exclusivamente à temática bélica. Eram meninas e meninos que preferiam as réplicas realistas dos tanks de guerra em uso às bonecas e livros de figuras, sobre os quais o futuro diria se tal prática seria ou não benéfica (p.24).

Passado o conflito, na edição de 22/12/1945, a Revista da Semana apresentava uma matéria intitulada “Brinquedos de Após-guerra”, destacando como aquele “Natal da Vitória” que se aproximava seria diferente para a geração de crianças nascidas em tempos de conflito. Naquele primeiro “Natal de Paz” destacava-se, a partir do exemplo francês, o retorno à fabricação dos seus “delicados brinquedos” para as crianças felizes de todo o mundo, que as permitiriam “o direito de viver dias melhores” (p.16).

A partir do exposto, é possível perceber como o brincar diz muito de sua sociedade e do contexto histórico vivenciado. Se, em momentos de paz, brinquedos bélicos poderiam ser considerados inofensivos, no início do conflito eles foram considerados culpados pela educação da geração que estava fazendo a guerra na Europa. Com o desenrolar e agravamento da guerra, sociedades foram considerando necessário ensinar os seus pequenos sobre a temática bélica para prepará-los para as incertezas do futuro. Encaminhando-se para o final do conflito, é possível perceber, a partir das notícias divulgadas em periódicos como a Revista da Semana, que se retornava com as preocupações em torno da infância maculada pela temática bélica e como, em tempos de paz, precisava-se garantir o direito dos pequenos a dias melhores. Tudo isso serve para nos apresentar como também o brincar foi mobilizado em tempos de conflito.

 

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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