Maria Luiza Pérola Dantas Barros
Doutoranda em História Comparada (PPGHC/UFRJ)
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)
E-mail: perola@getempo.org
Não é novidade destacarmos o caráter total da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) para as nações envolvidas. Nos difíceis anos de conflito, podemos dizer que tudo (a economia, a política, a sociedade, as produções culturais, por exemplo) estava mobilizado para a guerra. Em diversos níveis, o cotidiano, gradativamente, se viu afetado por esse que foi o pior conflito bélico do século XX, e as grandes festividades, a exemplo do Natal, ocorridas nesse período não escapariam a isso. É possível termos uma ideia desse contexto a partir do que era divulgado nas páginas de periódicos, a exemplo da Revista da Semana.
A edição de 16/12/1939, se abre com um editorial Os sinos da Baviera (Carta ao Menino Jesus), assinado por Benedito Neves, que apresenta o paradoxo de uma humanidade que se preparava para celebrar o Natal, ao tempo em que estava mergulhada na guerra. Sinos de igrejas, que há centenas de anos dobravam festivamente nesses dias, como os sinos da Baviera, foram retirados para a construção de canhões. Evocava-se a aparente insanidade de um conflito, ao destacar que “milhões de homens degladiam-se [sic] e matam-se em torno de interesses mesquinhos de terras que mal servem para sepulturas, de árvores que lembram as figueiras infecundas do Evangelho”. Tais sinos encarnariam a hora trágica da humanidade, pois se antes pregavam os aleluias, naquele contexto eram um “dobre contínuo a Finados” (p.3).
Não só por palavras, mas também por meio das imagens diversas, as edições da revista, em dezembro, destacavam características de um conflito que não dava sinais de que a paz retornaria. Um exemplo disso é, no conjunto de charges apresentadas na edição de 28/12/1940, que ao destacar os últimos alicerces sociais que, aos poucos, se esvaiam, apresentava a mão da paz na mira de um soldado, em uma possível alusão ao conflito que se desenrolava.
Para além dos racionamentos vividos, em virtude de uma economia mundial voltada para a guerra, o Brasil sentiu os horrores do conflito com os torpedeamentos das cinco embarcações em sua costa, pelo U-507, em agosto de 1942. A partir de então, a ideia de um esforço de guerra que a população precisaria se submeter em vistas à vitória final ficaria evidente nos meios de comunicação. Como exemplo, podemos citar a propaganda da Caixa Econômica Federal, veiculada na edição de 19/12/1942, intitulada “O Conselho do Papai Noel”, que trazia o bom velhinho dizendo: “Lembre-se de que estamos em guerra! Economisar [sic] agora, além de prevenir o futuro, É TRABALHAR PARA A VITORIA! Inicie neste Natal, para seu filho, uma caderneta de economia na CAIXA ECONOMICA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO” (p. 26). Caminhava-se, assim, na contramão de toda a ideia de consumo e compras ligadas corriqueiramente ao Natal no Ocidente, porque se vivia em guerra e era preciso trabalhar pela vitória final.
Ainda sobre o Natal de 1942, a edição de 02/01/1943 destaca brevemente, e de maneira elogiosa, na nota intitulada “A única mensagem”, o exemplo da Cruz Vermelha alemã que enviou poemas para os “internados nos campos de concentração da Inglaterra”, considerados o “único recado de amor que uma pátria ainda pode enviar aos seus filhos, neste Natal sangrento de 1942” (p. 7).
Em dezembro de 1943, por meio de propagandas como a da General Electric divulgada na edição 51 da revista em questão, é possível perceber que o quinto Natal no contexto do conflito era visto como algo com retorno vislumbrado no futuro “não como um dia de festa, único no ano, mas como todo um regime, um tipo novo de vida, inspirado no amor cristão e conquistado, afinal, pela humanidade, através de tão dolorosas experiências” (p.93). E para trazer esse tempo futuro, soldados das Nações Unidas, e as forças da democracia (em que a empresa se colocava) atuavam, naquele contexto, em vistas à vitória final. Se no Natal de 1939 a guerra era vista como um choque e um terreno de incertezas, em 1943 já se vislumbrava o retorno da paz com a vitória final.
Mesmo na expectativa do findar da guerra, próximo ao Natal de 1944, a edição número 51 da Revista da Semana apresentava um texto, acompanhado de uma pintura de Dacosta, que destacava como aquele conflito era de drama quase infinito para retaguarda, para os civis que se viam envolvidos. Naquele ano em que o Brasil tinha iniciado o envio de tropas para o teatro de guerra europeu, destacava-se como já existiam famílias de luto, ficando o questionamento de quando aquilo ira acabar (p. 48-49).
Completamente outro era o tom às vésperas do Natal de 1945. Com o fim do conflito, em setembro, a festividade era vista como o primeiro Natal de Paz, o Natal da Vitória, em que “homens voltaram ao lar; filhos podem receber a bênção paterna”, em que mães poderiam beijar seus filhos que, “em outros Natais andavam em terras distantes” (p.16).
Prestes a adentrarmos 2025, que contará com comemorações alusivas aos 80 anos do final da Segunda Guerra Mundial, cumpre lançarmos um renovado olhar em direção à temática, buscando compreendê-la para além dos campos de batalha, em suas relações com o cotidiano das populações por ela afetadas direta ou indiretamente, que viram alterações em todas as instâncias, inclusive nas festividades mais tradicionais, a exemplo do Natal.