O primeiro filme antinazista brasileiro

Liliane Costa Andrade

Doutoranda em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC/UFRJ)

Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET-UFS/CNPq)

E-mail: liliane@getempo.org

Orientador: Prof. Dr. Dilton Maynard

 

Cartaz de divulgação do filme “O Brasileiro João de Souza”. Fonte: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 17/02/1944.

 

A propaganda antinazista no cinema teve início em abril de 1939, com a estreia de Confissões de um espião nazista, produzido pela Warner Brothers. A partir daquele momento, o cinema passaria a desempenhar um papel relevante no combate ao Terceiro Reich, diante da difusão de uma imagem negativa do regime por meio de tantas outras películas denominadas antinazistas. E apesar do pioneirismo e do protagonismo assumido por Hollywood naquele contexto, esse tipo de filme não ficou restrito aos EUA. Indústrias cinematográficas de outros países também atuaram para criticar o nazismo e tudo que ele representava, a exemplo do Brasil.

O primeiro filme brasileiro classificado como antinazista foi O Brasileiro João de Souza, da Cinéx. Sob direção de Bob Chust, a película conta a história de João de Souza (Sandro Roberto), um rapaz que perdeu o pai diante do afundamento de um navio brasileiro pela marinha alemã. É pertinente mencionar que as filmagens do celuloide passaram a ser divulgadas na revista A Cena Muda, referência em assuntos cinematográficos, em dezembro de 1942, o que nos leva a crer que foram iniciadas no segundo semestre daquele ano, que também foi marcado pelos torpedeamentos aos navios brasileiros Baependy, Aníbal Benévolo, Araraquara, Itagiba e Arará pelo submarino alemão U-507, ocorridos entre os dias 15 e 17 de agosto na costa litorânea entre os estados da Bahia e de Sergipe.

Considerando que os filmes possuem uma relação direta com a sociedade e o período em que foram produzidos, entendemos que a agressão nazista ao Brasil, que inclusive serviu de estopim para a entrada no país no conflito mundial, exerceu influências na confecção de O Brasileiro João Souza, que estava previsto para ser lançado em 1943, não só em seu país de origem, mas também em outras localidades, conforme divulgado pela revista A Cena Muda: “[…] Bob Chust informou-nos que seu lançamento será para muito breve, simultaneamente no Brasil e nos EE.UU, além dos países hispano-americanos, com os quais a Cinéx já entrou em entendimento” (12/01/1942).

Todavia, a estreia da película, cujos principais intérpretes, além de Sandro Roberto, eram Zezé Pimentel, Graça Melo, Rosita Rocha, Lú Marival, Tulio Berti, Ziembinski, Bob Chust e Osvaldinho, ocorreu mais de um ano depois, mais especificamente no dia 17 de fevereiro de 1944, em uma das principais casas de exibição do Rio de Janeiro, o Metro-Passeio.

Um dia antes da sua primeira exibição, o filme da Cinéx foi divulgado pelo Jornal do Brasil através de um cartaz que, dentre outros elementos, possuía a seguinte legenda: “João de Souza… símbolo do homem brasileiro, decidido, forte, altivo, nobre!” (16/02/1943). Os adjetivos de enaltecimento e valorização ao homem brasileiro deu lugar, no dia seguinte, a uma nova frase que resumia bem o significado daquele filme para a indústria cinematográfica brasileira: “Finalmente o primeiro filme brasileiro anti-nazista!” (Jornal do Brasil, 17/02/1944).

O “finalmente” caiu bem à divulgação de O Brasileiro João de Souza, por entendemos que a produção acabou perdendo seu timing. Se tivesse sido lançado ainda em 1943, pouco tempo após a agressão nazista às embarcações brasileiras e à consequente declaração de guerra ao Eixo, provavelmente o filme teria tido mais repercussão entre a crítica e o público, como ponderado pela revista A Cena Muda em 29/02/1944: “Estava faltando no moderno cinema nacional um filme de combate à Alemanha nazista e pena é que O Brasileiro João de Souza não tivesse sido realizado e exibido na época em que o Brasil uniu-se aos Aliados, na guerra contra o Eixo, porque, então, o seu sucesso seria ainda maior”.

É preciso levar em consideração, contudo, as fragilidades técnicas e estruturais vividas pelo cinema brasileiro à época. Mas, apesar das limitações e dos problemas que cercaram seu processo de confecção, O Brasileiro João de Souza trouxe sua contribuição para o cinema nacional, especialmente quando consideramos a conjuntura daquele momento, isto é, de emprego da sétima arte no combate ao nazismo.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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