O que é necessário para ser um terrorista segundo a lei brasileira?

Andrey Augusto Ribeiro dos Santos

Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC/UFRJ)

Integrante do Grupo de Pesquisa sobre Política Internacional (GPPI/UFRJ) e do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS)

Manifestantes golpistas fotografados durante a invasão da Praça dos três poderes, em 08 de janeiro de 2023. Fonte: Agence France-Presse (AFP).

 

 

Em 2023, a palavra Terrorismo retornou de maneira intensa ao espaço de discussão pública no Brasil. O motivo disso foi uma série de atos golpistas protagonizados por apoiadores do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, derrotado nas últimas eleições, que ainda se recusam a aceitar o resultado das urnas. Assim, além da invasão dos prédios dos três poderes, ocorridas em 08 de janeiro, as forças de segurança também tiveram que lidar com tumultos como os ocorridos em 12 de dezembro de 2022, dia da diplomação do atual presidente. Houve até uma tentativa de plantar uma bomba num caminhão de combustível, que tinha como objetivo causar desordem a partir de uma explosão no aeroporto de Brasília para incitar uma intervenção militar.

Tais acontecimentos fizeram com que boa parte da sociedade, principalmente a Imprensa, passasse a se referir aos envolvidos nesses ocorridos como terroristas. Isso ocorre devido ao fato dessas ações poderem ser facilmente rotuladas como Terrorismo devido ao uso da força ou da ameaça dela para obter um fim político, que nesse caso seria impedir a posse do presidente eleito e devolver o cargo a Jair Bolsonaro. No entanto, dentre aqueles que foram presos por envolvimento nestes atos, nenhum foi acusado por esse crime.

Pelo menos até o momento, a justificativa dada pelo poder judiciário é a de que os atos executados por esse grupo não se encaixam na definição do crime presente na lei antiterrorismo brasileira (13.260/2016), que engloba ações violentas motivadas por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião. Assim, a motivação dos acusados, eminentemente política, não estaria englobada. A dúvida que fica nesse caso é: por que a lei antiterrorismo do Brasil escolheu fugir da definição mais clássica desse crime, que se refere principalmente ao uso da força ou ameaça dela para obter fins políticos?

A resposta para essa questão pode ser encontrada na gestação desse código jurídico. As discussões sobre a implantação de uma lei antiterrorismo no Brasil ocorreram desde a Redemocratização, passando por um momento de maior pressão após os atentados ocorridos em 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, quando a comunidade internacional se organizou para empenhar maiores esforços contra grupos terroristas no que ficou conhecido como Guerra ao Terror.

Nesse momento houve uma significativa resistência do alto escalão do governo brasileiro, na época encabeçado pelo Partido dos Trabalhadores. O motivo era que, ao se estabelecer uma legislação antiterrorismo, as manifestações de grupos sociais poderiam ser criminalizadas e reprimidas, já que a abrangência da frase “uso de força ou de ameaça dela com fins políticos” é grande, podendo permitir uma ampla interpretação por parte dos membros do poder jurídico e das forças de segurança, instituições com histórico extenso de repressão a movimentos sociais no Brasil.

Assim, essa resistência persistiu até meados de 2016. Esse quadro muda quando, dentre outros motivos, o Brasil foi escolhido como sede das Olímpiadas, o que fez as pressões internas e externas por uma legislação antiterrorismo se tornarem incontornáveis. Apesar disso, durante a tramitação do projeto de lei grupos mais ligados à esquerda fizeram uma ferrenha oposição à proposta e acabaram angariando dois pontos importantes: a exclusão das motivações políticas da definição do crime de terrorismo e uma cláusula excludente para pessoas envolvidas em manifestações políticas e movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou categoria profissional.

Foram justamente esses mecanismos que agora evitaram que os envolvidos no golpismo bolsonarista fossem acusados de terrorismo. É um tanto irônico perceber como uma luta empreendida pelas esquerdas brasileiras num passado próximo acabou servindo para apaziguar a punição de membros de grupos de extrema-direita no presente; no entanto, esse caso é um bom exemplo das dinâmicas contraditórias que orbitam a sempre difícil tarefa de definir terrorismo e estabelecer uma legislação que puna esse crime sem criar possibilidades de repressão a liberdades básicas asseguradas ao ser humano.

Os envolvidos nos tumultos golpistas que vêm ocorrendo desde o fim de 2022 aparentemente não sairão totalmente impunes, sendo acusados de outros crimes correlatos às ações que executaram, tais como: tentativa de abolir, com grave ameaça ou violência, o Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; danos qualificados contra o patrimônio da União e associação criminosa armada. No entanto, após vermos as cenas lamentáveis protagonizadas por essas pessoas fica a pergunta: o que é necessário para ser um terrorista perante a lei brasileira?

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais