Operação Hashtag: a polêmica primeira ação antiterrorismo brasileira

Andrey Augusto Ribeiro dos Santos

Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC/UFRJ)

Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS) e do Grupo de Pesquisa sobre Política Internacional (GPPI/UFRJ)

Alexandre de Moraes, Ministro da Justiça em 2016, durante coletiva de imprensa sobre a Operação Hashtag. Fonte: José Cruz/Agência Brasil.

 

No dia 21 de julho de 2016, dias antes da abertura das Olímpiadas do Rio de Janeiro, o Jornal Nacional apresentou aos telespectadores, numa matéria com cerca de 14 minutos, a fase ostensiva da Operação Hashtag. Esta foi conduzida pela Polícia Federal (PF) e mirou uma suposta célula terrorista, que planejava um ataque durante o evento esportivo.

Na reportagem prevaleceram as falas do, à época, ministro da justiça, Alexandre de Moraes, que detalhou a manobra numa coletiva de imprensa. No entanto, as falas do ministro instalaram uma dúvida sobre a real gravidade do ocorrido, já que segundo o próprio se tratava de uma célula amadora e despreparada, contra a qual a polícia se adiantou visando eliminar quaisquer possibilidades remotas de atentado.

Ao fim, a operação teve quatro fases e prendeu temporariamente quinze suspeitos denunciados, dentre outros crimes, por atos preparatórios de terrorismo, delito tipificado na lei antiterrorismo brasileira, aprovada cerca de três meses antes. Como provas foram apresentados trechos de diálogos no Facebook e Telegram que demonstrariam forte disposição dos suspeitos em executar um atentado terrorista, bem como a suposta tentativa frustrada de um dos suspeitos de comprar um fuzil pela internet.

Porém, as provas eram pouco sólidas, já que de 62 trechos das conversas citadas acima, apenas sete mencionavam as Olímpiadas, predominando discussões sobre o Estado Islâmico, comemorações de atentados ocorridos na Europa e métodos eficazes de comunicação. Além disto, não houve atos concretos no sentido do planejamento de um atentado e a tentativa de compra de um fuzil, apontada nas acusações, havia ocorrido cerca de um ano antes.

Um ponto importante a se destacar é que o caso nasceu meses antes, quando o FBI repassou para a PF informações sobre pessoas residentes no Brasil que faziam apologia ao Estado Islâmico nas redes sociais, chamando a atenção para o risco que elas poderiam trazer para as Olímpiadas. Posteriormente, já com as investigações em andamento, surgiu uma denúncia anônima via email, com as imagens de conversas em aplicativos que implicavam cinco pessoas já apontadas na lista do FBI.

Isto fez com que surgissem mais questionamentos sobre a legalidade da operação, já que nos diálogos apresentados pela PF é possível reconhecer diversos perfis que incentivavam as discussões sobre o planejamento de atentados e não foram identificados pelos investigadores. Logo, nasceu a suspeita de que tais perfis fossem gerenciados por agentes infiltrados que buscavam gerar provas contra terceiros, o que invalidaria tais diálogos enquanto prova para uma investigação por ferir preceitos legais.

Além disto, surgiram acusações de cerceamento do direito a defesa, com a Defensoria Pública da União afirmando que os suspeitos não tiveram acesso a advogados durante os interrogatórios iniciais. Na lista de inconsistências pode-se citar também o fato dos arquivos contidos na denúncia anônima não terem sido periciados, mas adicionados diretamente como provas na denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal, o que poderia invalidar a investigação, já que denúncias anônimas devem ser tidas como indícios, não como provas.

No entanto, o procurador responsável relativizou tais denúncias. Para ele estava presente um contexto de incentivo recíproco entre várias pessoas e de promoção do ISIS em sites abertos, o que daria materialidade para acusação sob o artigo que tipifica a promoção do terrorismo, outro crime recentemente tipificado na lei antiterrorismo brasileira.

O processo foi concluído num momento já distante dos holofotes das Olímpiadas de 2016. Ao fim, o suposto plano de atentado ficou numa posição secundária, com as atividades nas redes sociais sendo a real base para as condenações. Oito dos suspeitos foram condenados a penas que iam de cinco a quinze anos de cadeia por, dentre outros crimes, promoção do terrorismo e recrutamento com propósito de praticar atos de terrorismo.

Para piorar as impressões sobre os resultados da operação, um dos suspeitos, preso no primeiro momento, mas não denunciado devido ao fato das suas ações terem sido consideradas secundárias, acabou sendo morto numa prisão no Mato Grosso. Devido a circulação da sua imagem e da sua ligação ao crime de terrorismo na imprensa, num momento no qual a sociedade estava sensível ao tema devido aos atentados em Nice, na França, ele foi espancado até a morte por outros presos, que não toleravam o crime de terrorismo por atingir inocentes.

Ao fim, permaneceram sobre a Operação Hashtag críticas ao seu teor de espetáculo, apesar do baixo potencial da ameaça terrorista e da dúvida sobre a existência de crimes efetivamente cometidos. A relação com os Jogos Olímpicos foi mantida durante todo o processo e sua execução num período diretamente anterior ao evento, numa região brasileira com um estigma de ocorrência de atividades terroristas, fortaleceu a impressão do seu caráter midiático e de legitimação da lei antiterrorismo, aprovada em março do mesmo ano, sob fortes pressões internacionais.

Também reforçou os temores dos grupos que se opuseram a aprovação desta lei. Estes apontaram a excessiva flexibilidade dos termos jurídicos utilizados nas denúncias e os futuros riscos do seu uso contra movimentos sociais e reivindicatórios, bem como o fato deste caso ter evidenciado o difícil equilíbrio entre ações antiterrorismo e o respeito a livre expressão. Apesar de todo esse mal-estar, autoridades estadunidenses elogiaram o compromisso das autoridades brasileiras, apontando o ambiente seguro no qual as Olímpiadas se dariam.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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