Profª Drª Andreza Maynard
Universidade Federal de Sergipe
Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)

Em 1942, os filmes antinazistas chegaram ao Brasil. Os grandes estúdios de Hollywood produziam esse tipo de película desde 1939, antes mesmo do início da Segunda Guerra Mundial, mas a censura do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) impediu sua exibição. Além do atraso na chegada dessas produções ao país, em Aracaju essa novidade cinematográfica coincidiu com um evento traumático diretamente relacionado à guerra.
A capital sergipana foi profundamente abalada pelos torpedeamentos das embarcações brasileiras ocorridos entre os dias 15 e 16 de agosto de 1942. Sem qualquer motivo aparente, o submarino alemão U-507 atacou e afundou os navios Baependi, Aníbal Benévolo e Araraquara, quando estavam próximos ao litoral de Sergipe, ocasionando a morte de mais de 600 pessoas, entre militares, civis, homens, mulheres e crianças. Alguns sobreviventes, e cadáveres, chegaram às praias, evidenciando que a guerra havia alcançado o Brasil.
A população local entrou em pânico. Além da comoção pelas mortes, havia o medo de novos ataques e uma crescente revolta contra os nazistas, apontados como responsáveis pelo horror nas águas sergipanas. O U-507 também afundou as embarcações Itagiba e Arará, na Bahia. Diante desses ataques, exigia-se que o Brasil declarasse guerra aos agressores, o que aconteceu no dia 22 de agosto de 1942.
Menos de um mês após os torpedeamentos, os jornais sergipanos anunciaram a exibição do primeiro filme antinazista em Aracaju. “Que sabe você dos perigos que ameaçam o Brasil? (…) Confissões de um Espião Nazista, o filme que Hitler daria tudo para destruir, explicará muita coisa que você ignora”, publicava o jornal Folha da Manhã em 11 de setembro de 1942.
A película Confissões de um Espião Nazista estreou no Cine Rio Branco no dia 9 de setembro, um dos cinemas mais prestigiados da cidade. O filme prometia esclarecer o público sobre os autores dos torpedeamentos e os perigos do nazismo, ao mesmo tempo em que uma série de boatos corria pela cidade, aumentando o clima de insegurança.
Poucos meses depois, em 9 de dezembro, O Grande Ditador foi exibido no Cine Guarany. Embora fosse uma comédia, o filme de Chaplin também foi classificado como uma produção antinazista. Nessas películas, os nazistas eram retratados como vilões, opressores e fanáticos. Não se tratava apenas de filmes sobre nazistas, mas, sobretudo, de obras contra os nazistas. É o filme em que Chaplin fala pela primeira vez e ele o faz para conclamar as pessoas a lutar contra os regimes autoritários.
Os filmes antinazistas mostravam que o nazismo representava um perigo não apenas para os judeus, seu principal alvo, mas para toda a humanidade. A partir dessas produções, o cinema de Hollywood apresentava os alemães como cruéis, movidos pela violência e capazes das piores atrocidades, exatamente as mesmas acusações que circulavam entre os brasileiros após os ataques ocorridos em agosto.
Assim, a chegada dos filmes antinazistas a Aracaju em 1942 não foi apenas um acontecimento cultural, mas um evento histórico profundamente simbólico. As telas do cinema tornaram-se espaço de construção de sentido, ajudando a população a compreender o inimigo e a elaborar o medo coletivo que tomava conta do país. Nesse encontro entre a guerra e o cinema, o espectador sergipano viu projetadas não apenas a imagem do inimigo, mas também os reflexos de sua própria experiência com os torpedeamentos, que trouxeram dor, medo e o desejo por justiça.
Para saber mais:
MAYNARD, Andreza Santos Cruz. De Hollywood a Aracaju: antinazismo e cinema durante a Segunda Guerra Mundial. Recife: EDUPE, 2021.