Os torpedeamentos e os filmes antinazistas em Aracaju

 

 

Profª Drª Andreza Maynard

Universidade Federal de Sergipe

Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)

Fonte da imagem: https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Grande_Ditador

 

Em 1942, os filmes antinazistas chegaram ao Brasil. Os grandes estúdios de Hollywood produziam esse tipo de película desde 1939, antes mesmo do início da Segunda Guerra Mundial, mas a censura do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) impediu sua exibição. Além do atraso na chegada dessas produções ao país, em Aracaju essa novidade cinematográfica coincidiu com um evento traumático diretamente relacionado à guerra.

A capital sergipana foi profundamente abalada pelos torpedeamentos das embarcações brasileiras ocorridos entre os dias 15 e 16 de agosto de 1942. Sem qualquer motivo aparente, o submarino alemão U-507 atacou e afundou os navios Baependi, Aníbal Benévolo e Araraquara, quando estavam próximos ao litoral de Sergipe, ocasionando a morte de mais de 600 pessoas, entre militares, civis, homens, mulheres e crianças. Alguns sobreviventes, e cadáveres, chegaram às praias, evidenciando que a guerra havia alcançado o Brasil.

A população local entrou em pânico. Além da comoção pelas mortes, havia o medo de novos ataques e uma crescente revolta contra os nazistas, apontados como responsáveis pelo horror nas águas sergipanas. O U-507 também afundou as embarcações Itagiba e Arará, na Bahia. Diante desses ataques, exigia-se que o Brasil declarasse guerra aos agressores, o que aconteceu no dia 22 de agosto de 1942.

Menos de um mês após os torpedeamentos, os jornais sergipanos anunciaram a exibição do primeiro filme antinazista em Aracaju. “Que sabe você dos perigos que ameaçam o Brasil? (…) Confissões de um Espião Nazista, o filme que Hitler daria tudo para destruir, explicará muita coisa que você ignora”, publicava o jornal Folha da Manhã em 11 de setembro de 1942.

A película Confissões de um Espião Nazista estreou no Cine Rio Branco no dia 9 de setembro, um dos cinemas mais prestigiados da cidade. O filme prometia esclarecer o público sobre os autores dos torpedeamentos e os perigos do nazismo, ao mesmo tempo em que uma série de boatos corria pela cidade, aumentando o clima de insegurança.

Poucos meses depois, em 9 de dezembro, O Grande Ditador foi exibido no Cine Guarany. Embora fosse uma comédia, o filme de Chaplin também foi classificado como uma produção antinazista. Nessas películas, os nazistas eram retratados como vilões, opressores e fanáticos. Não se tratava apenas de filmes sobre nazistas, mas, sobretudo, de obras contra os nazistas. É o filme em que Chaplin fala pela primeira vez e ele o faz para conclamar as pessoas a lutar contra os regimes autoritários. 

Os filmes antinazistas mostravam que o nazismo representava um perigo não apenas para os judeus, seu principal alvo, mas para toda a humanidade. A partir dessas produções, o cinema de Hollywood apresentava os alemães como cruéis, movidos pela violência e capazes das piores atrocidades, exatamente as mesmas acusações que circulavam entre os brasileiros após os ataques ocorridos em agosto. 

Assim, a chegada dos filmes antinazistas a Aracaju em 1942 não foi apenas um acontecimento cultural, mas um evento histórico profundamente simbólico. As telas do cinema tornaram-se espaço de construção de sentido, ajudando a população a compreender o inimigo e a elaborar o medo coletivo que tomava conta do país. Nesse encontro entre a guerra e o cinema, o espectador sergipano viu projetadas não apenas a imagem do inimigo, mas também os reflexos de sua própria experiência com os torpedeamentos, que trouxeram dor, medo e o desejo por justiça.

 

Para saber mais:

MAYNARD, Andreza Santos Cruz. De Hollywood a Aracaju: antinazismo e cinema durante a Segunda Guerra Mundial. Recife: EDUPE, 2021.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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