Priscila Antônia dos Santos
Mestranda em História Comparada (PPGHC/UFRJ)
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)

Em algum dia dos anos 1940, a cidade de Aracaju enfrentava mais uma típica noite sem energia elétrica. O senhor Lourival, que residia na antiga rua Vitória (atual Carlos Burlamarqui), recebeu o chamado de um amigo que trabalhava no aeroporto para ajudá-lo a resolver o seguinte problema: um avião estava previsto para pousar no Aeroporto de Aracaju naquela noite e não havia iluminação na pista de pouso e decolagem. Seu Lourival era um dos poucos moradores que possuía algo que poderia ajudar a solucionar o contratempo. De Aracaju, era um dos poucos moradores que possuía um carro, sua missão seria iluminar a pista para que o piloto de avião pudesse enxergá-la.
Na rua Vitória onde morava, por exemplo, era o único que possuía um automóvel, o que despertava a curiosidade da vizinhança. O veículo provavelmente era um charmoso e clássico Ford Modelo T. No início do século XX, a produção em massa do Modelo T foi responsável pela popularização do carro no mundo. Confeccionado sempre na cor preta, ficou mundialmente conhecido pelo slogan “qualquer cor, desde que seja preto”. O design monocromático fazia parte da estratégia de barateamento do produto. No Brasil, a Ford inaugurou sua primeira montadora em 1919, em São Paulo.
Apesar de popular, a aquisição de um automóvel era uma realidade apenas para brasileiros abastados. A posse de um Modelo T era sinal de riqueza e poder, especialmente numa cidade provinciana como a Aracaju dos anos 1940. Nas ruas da capital que, à época, praticamente se resumia à região do Centro, seu Lourival desfilava com o seu charmoso Modelo T, provavelmente disputando o espaço com pedestres, carroças, carros de boi, charretes, cavalos e bondes.
Na fatídica noite em que foi requisitado, seu Lourival prontamente se dirigiu ao aeroporto, posicionou o veículo com os faróis ligados e saiu do carro. Distante com alguns companheiros aguardavam ansiosamente a chegada do avião e torciam por um pouso seguro. No céu avistaram a aeronave que aos poucos iniciava o pouso, já de frente para a pista, se preparando para tocar o solo a sensação de que tudo estava indo bem foi cortada por um barulho ensurdecedor! Antes de tocar o solo, as rodas da aeronave acertaram o carro! O xodó do seu Lourival estava destruído.
Essa história foi contada por Antônio Roriz (91 anos) que a época era criança e residia na mesma rua que o senhor Lourival. Pensar nessa Aracaju do início do século XX, por vezes, é guiada por um saudosismo da moderna construção do Tabuleiro de Pirro, cartesianamente organizada. Mas histórias como essas nos convidam a conhecer uma Aracaju mais imperfeita, revelando as soluções mirabolantes que os moradores precisavam improvisar para vencer as dificuldades diárias.
Quanto ao seu Lourival, que azar!