Quando até o Papai Noel foi à guerra

Maria Luiza Pérola Dantas Barros

Doutoranda em História Comparada (PPGHC/UFRJ)

Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)

E-mail: perola@getempo.org

 

Compilado feito pela autora de algumas propagandas alusivas ao Natal, divulgadas na Revista da Semana e na Revista Life, no decorrer da Segunda Guerra Mundial.

 

Ante o pior conflito bélico do século XX, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) não é difícil imaginarmos como o dia a dia da população que se viu envolvida nele de alguma maneira foi modificado, alterando inclusive aspectos de celebrações como o Natal. E algo que não nos passa batido hoje é a própria imagem do Papai Noel utilizada em propagandas que, nas páginas de periódicos como a Revista Life e Revista da Semana, ganhava ares cada vez mais belicosos e ligados à temática ao longo dos anos.

A Revista Life emerge nos Estados Unidos como um periódico centrado na narração visual de notícias por meio de fotorreportagens, em novembro de 1936, objetivando educar as massas. Se em 1939 ainda não estava tão claro o seu posicionamento em relação à guerra, em 1940 isso ficaria mais evidente na tentativa de formar a opinião pública em dois sentidos: preparar para o conflito e escolher um lado da luta. O país se viu lançado diretamente na guerra pelo ataque japonês à base de Pearl Harbor, em dezembro de 1941, que, mesmo se conferindo em uma conquista militar japonesa, não chegou a incapacitar a frota americana. Antes, se tornou um grande catalizador e fator de união nacional naquele contexto em prol de um ideal em comum: derrotar o inimigo.

A partir daquele momento, o tom bélico ganharia cada vez mais espaço nas páginas da Life, atualizando até mesmo as feições do Papai Noel nas propagandas. Em dezembro de 1942, o bom velhinho aparecia, juntamente com seu tradicional traje vermelho e branco, portando um capacete verde de soldado na propaganda dos cigarros Chesterfield. Ainda naquele ano, na propaganda das meias Inter Woven, com os votos de um feliz natal e um próspero ano novo, a imagem de Noel, geralmente associada à doçura, à gentileza e ao acolhimento, era apresentava em combate contra o Eixo: apertando Hitler pelo pescoço com a mão direita, calcando Mussolini sob o pé direito e capturando Hirohito com a mão esquerda (edição de 11/12/1944, p. 83). E num contexto em que os homens eram enviados em massa para lutar, a propaganda dos  Whitman’s Chocolates apresentava uma jovem com trajes alusivos ao Natal, segurando em suas mãos uma máscara do Papai Noel, informando que milhões de caixas de chocolates tinham sido enviadas para militares em combate no exterior.

Já a Revista da Semana, um periódico ilustrado de variedades com sede no Rio de Janeiro, circulou semanalmente entre os anos de 1900 e 1959, e se definiu desde o início como um órgão informativo popular. Ao longo de mais de 50 anos de atividades, esse periódico acabou por registrar as mudanças que ocorreram na sociedade no período. No início da Segunda Guerra, suas publicações eram marcadas pela perspectiva contrária ao conflito, evidente também nas propagandas, e promotora da esperança de um futuro de paz, perceptível na escrita das matérias. Esse  tom mudaria de maneira efetiva após os torpedeamentos das embarcações brasileiras pelo U–507,  submarino alemão em missão no Atlântico no contexto da Segunda Guerra Mundial, em agosto de 1942, que deixou um saldo de mais de 600 mortos no litoral sergipano e baiano, e gerou, entre outras coisas, a efetiva entrada do país na guerra.

As preocupações em torno da economia, que já vinham se desenhando, ficariam mais evidentes naquele dezembro, materializadas na propaganda “O conselho do Papai Noel” em que ele, pedagogicamente, era apresentado com os tradicionais presentes embrulhados, porém apontando para uma imagem de uma caderneta de poupança da Caixa Econômica Federal, fazendo questão de lembrar aos leitores do front interno brasileiro que economizar, naquele momento, além de prevenir para o futuro, era trabalhar para vitória, incentivando aos pais iniciarem uma Caderneta de Economia na Caixa Econômica Federal do Rio de Janeiro (edição de 19/12/1942, p. 26).

Por meio desses exemplos é possível compreendermos que a Segunda Guerra Mundial, antes de ser um conflito distante, estava presente no cotidiano da população dos países que, a exemplo dos Estados Unidos e do Brasil, se viram envolvidos a partir dos ataques diretos sofridos e da posterior declaração de guerra. E, num momento em que tudo passava a gravitar em torno da temática, nem a imagem do Papai Noel ficaria de fora da luta.

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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