Ana Luiza Araújo Porto
Professora de História
Doutora em Educação
No dia 07 de setembro de 2023, o Brasil completa duzentos e um anos de sua independência política da metrópole portuguesa. Como sabemos, a independência se fez mantendo intacto um dos pilares da antiga colônia, a escravidão, mantendo a unidade territorial e tendo como condutor da nossa vida política um imperador português, o que nos deixou como legado mais continuidades que rupturas com a antiga metrópole. Mais do que uma língua, Portugal nos legou um jeito de conduzir o Estado e a vida pública. Saímos da tutela política de Portugal e passamos à influência da Inglaterra, conduzindo e ditando as regras da nossa economia. O Brasil fez a proeza de aderir ao Liberalismo sem abrir da escravidão.
Ao longo do século XIX, o Brasil se construiu como Nação criando instituições de Estado que dessem conta do novo momento que vivíamos, formatando uma história nacional que explicasse nossas origens, definindo critérios rígidos de cidadania e excluindo da vida política os escravizados. A questão que atormentava nossa elite intelectual e política era a mestiçagem; como fazer viável um país que tinha como herança povos que a ciência da época acreditava serem os responsáveis pelo nosso atraso?
Parece inacreditável aos nossos olhos hoje, mas a ciência do século XIX defendia sem nenhuma evidência científica que algumas “raças” nasciam predispostas ao crime, às doenças, ao atraso… assim se consolidou nosso racismo.
Ainda que a Proclamação da República em 1889 anunciasse a possibilidade de construção de um país diferente, sobretudo porque havíamos feito a abolição da escravidão, nossos arranjos sociais continuavam perversos.
O século XX é tomado por períodos ditatoriais e poucos respiros democráticos. A construção de um projeto de país democrático ainda estava pendente.
Dois séculos depois da nossa independência política, o que podemos dizer do Brasil? Claro que já não somos os mesmos, não somos mais um país rural ainda que a agricultura seja um dos pilares da nossa economia, não aceitamos mais trabalho escravo do ponto de vista legal, embora o Ministério do Trabalho ainda tenha que exterminar o câncer que é o trabalho análogo à escravidão; enfim, ainda não acertamos as contas com nosso passado.
Nosso Sete de Setembro continua servindo à celebração de um Brasil conservador que insiste em não acertar contas com seu passado, seja a herança da escravidão na estruturação de um racismo longe de ser superado, seja o entulho da ditadura que insiste em se reatualizar e se impor na vida pública.
A construção da nossa Democracia passa pelo reconhecimento de que há temas caros à nossa história e que não podem ser varridos ou silenciados da vida pública, o racismo e a ditadura são dois desses temas. Não há Brasil democrático sem eliminação do racismo e o fim da atuação das Forças Armadas como um poder moderador da República. Que o nosso Sete de Setembro ainda venha a ser a celebração de um Brasil soberano, plural, inclusivo e democrático.