Onesino Elias Miranda Neto
Mestrando em Cinema e Narrativas do Contemporâneo (PPGCINE/UFS)
Orientador: Prof. Dr. Hamilcar Silveira Dantas Júnior (DEF/PPGCINE/UFS)
E-mail: onesino@hotmail.com
Um dos pontos mais relevantes da assinatura cinematográfica de Pedro Almodóvar é a postura clara e latente da defesa pelo feminismo, mais do que uma mensagem “panfletária”, mas como uma adaga de ferro nas entranhas misóginas da sociedade contemporânea. Isso ficou ainda mais enraizado na sua belíssima obra Mães Paralelas (Madres Paralelas, 2021, Espanha). Quando já se imagina que o fôlego criativo do espetacular cineasta espanhol já se encontrava em seu ápice, ao menos erroneamente essa era a minha singela opinião, o realizador nos encanta com uma obra arrebatadora, na qual o feminino e as dores de ser mulher em pleno século XXI alicerceiam a narrativa proposta por Almodóvar.
Primeiramente, vale destacar sua longa trajetória fílmica, imbricada em diversas bases da linguagem cinematográfica. Seu arcabouço artístico inicia-se em curtas-metragens da década de 1970, perpassando ao longo da década seguinte por longas-metragens que se alinham com a busca incessante pela transgressão revolucionária inserindo-se em temáticas em prol da defesa do movimento LGBTQIAP+, na qual o masculino é questionado como centro e são colocadas em xeque as imposições patriarcais. Nos anos posteriores, Almodóvar continua inovando na estética através de obras que denunciam os ataques sociais em seus diversos formatos às mulheres e às pessoas trans. Essa tônica ganha prestígio em filmes como Volver (2006, Espanha), Fale com Ela (2002, Espanha) e Amantes Passageiros (2013, Espanha).
Outra marca almodovariana é a construção estética diante das cores; o vermelho persegue os olhos dos espectadores como uma fixação alucinante do realizador. Em Mães Paralelas, o cineasta usa e abusa desse recurso em objetos, cenário, roupas dos personagens, tudo colocado em cores vermelha, verde e amarela com a necessidade de amarrar a narrativa diante da paleta de cores. Em uma cena importante do filme, Janis e Ana, as protagonistas da obra, dialogam na maternidade, onde a alternância entre o verde e o amarelo ao fundo das falas das personagens já dão o foco dos dois mundos que se unem diante do ato de ser mãe. Logo mais adiante, em uma cena de amor forte dessas mesmas personagens, ao som de Janis Joplin, Almodóvar divide a cama em lençóis vermelho e verde em um encontro do amor e do segredo, da dor e da força de ser mulher. Chegamos ao seu “golaço” cinematográfico.
A idolatria contumaz de Almodóvar à imagem feminina, à fortaleza que recobre os corpos das mulheres tão atacados pelos padrões sociais está latente em suas realizações, nesta última, supracitada, temos a protagonista Janis, uma mulher de aproximadamente 40 anos, seguindo o histórico familiar de mãe solteira, e que não tem necessidade nenhuma de ter um companheiro para ser mãe, guarda um segredo da trocas das filhas na maternidade na qual esteve com Ana, uma jovem que foi estuprada em um caso corriqueiro na sociedade, em que mulheres que estão alcoolizadas são obrigadas ao coito sem consentimento.
Tudo no filme exala a necessidade feminina de se impor e de berrar aos quatro cantos do mundo por justiça, por direitos e pelo respeito de ser mulher. O parto dói, não é romantizado como de costume em obras hollywoodianas, a feminilidade é heterogênea, a melhor amiga de Janis é uma mulher trans, e a beleza é aplaudida em uma cena em que a modelo fotografada por Janis é elogiada por essa fotógrafa profissional.
Almodóvar apenas confirmou seu lugar no mundo da sétima arte, ou seja, o lugar de necessário, imprescindível em um mundo que insiste em ser patriarcal e misógino. A camisa de Janis deu seu recado: “Sejamos todos feministas – We Should All Be Feminists”.
Para saber mais:
STRAUSS, Frederic. Conversas com Almodóvar. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.