Um Banho de Quilombo: um banho de afrofuturismo em Jaque Barroso

Jairton Peterson Rodrigues dos Santos

Mestre em Ensino de História/UFS-SE

BARROSO, Jaque. Banho de Quilombo [videoclipe]. YouTube, 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ewCyt9kLO88. Acesso em: 9 jan. 2025. Imagem extraída do vídeo.

O afrofuturismo é um movimento cultural, estético e filosófico que explora as interseções entre a cultura negra, a ciência, a tecnologia e a imaginação. Ele combina elementos da ficção científica, da fantasia, da história e da arte para reimaginar narrativas da diáspora africana, celebrando as heranças culturais negras enquanto projeta futuros alternativos. Ele desafia as representações tradicionais da cultura negra ao incorporar tecnologia e inovação como ferramentas de resistência e emancipação. Ele frequentemente aborda temas como ancestralidade, identidade, colonização, raça e a relação entre passado, presente e futuro. O afrofuturismo se manifesta em diversas formas de expressão artística, como literatura, cinema, moda, artes visuais e música, criando um espaço onde as vozes negras podem se imaginar além das restrições impostas pelas estruturas sociais dominantes.

Jaque Barroso é sergipana, descendente de laranjeirenses que pesquisa, compõe, encena, canta e encanta. Mulher negra, tem em suas composições e performances o ritmo de sua ancestralidade mesclada com a cultura Sound System. Essa forma de expressão é um movimento musical e cultural originado na Jamaica nas décadas de 1940 e 1950, caracterizado por sistemas de som móveis, compostos por potentes caixas de som, controladores de áudio e DJs (chamados de “selectors”), que organizam eventos ao ar livre para tocar música, especialmente reggae, ska, rocksteady, dancehall e dub. Essa cultura desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento de narrativas da população negra pelo mundo e influenciou movimentos musicais globais, como o hip-hop, o jungle, o dubstep e a música eletrônica. As canções de Jaque Barroso combinam esses elementos ao samba de coco, samba de pareia e a componentes culturais do povo laranjeirense.

Em suas obras, Jaque Barroso, principalmente no Clipe de sua canção “Banho de Quilombo” (2021), cria uma identidade negra baseada no poder, na busca da ancestralidade e em um futuro de valorização dos povos quilombolas. A canção faz uma ode ao Quilombo da Mussuca, aos mestres e mestras da cultura popular, suas festas e suas existências. Um banho de afrofuturismo, desde a letra da canção, passando pela sonoridade, estética e musicalidade.

É importante ressaltar que o Quilombo da Mussuca se localiza no município de Laranjeiras-SE e antes de seu reconhecimento enquanto território quilombola, enfrentou diversos desafios para a titulação de seu território devido a projetos de mineração que ameaçavam o modo de vida ancestral e a proteção do meio ambiente local.

A comunidade resistiu e teve seu reconhecimento enquanto remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares em 2006, conforme a Portaria nº 38749, de 20 de janeiro de 2006 e em 2007 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), conforme o Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, que regulamenta o procedimento de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de quilombos. Ela preserva diversas tradições culturais afro-brasileiras, como o Samba de Pareia, Samba de Coco, Reisado e a Dança de São Gonçalo.

Em “Banho de Quilombo” (2021), a Mussuca, tanto na letra quanto no clipe de Jaque Barroso, é um local de orgulho e conexão com a ancestralidade negra. Na letra são anunciados os grupos populares da localidade, suas mestras e mestres fazendo uma afirmação do seu empoderamento: “Olha, se tu soubesses o valor que a Mussuca tem, tu tomava um banho de quilombo e virava Mussuca também”.

No início do clipe há uma metáfora de conexão à ancestralidade: Jaque Barroso está vestida de branco, solitária em um barco, retornando às suas raízes. Ao chegar em solo, escuta som de tambores, caminha e a canção inicia com referências aos grupos populares: “Samba de Coco, Samba de Pareia, São Gonçalo, Cacumbi, Taieira, Reisado, Chegança, Lambe-Sujo, Caboclinho, Samba de Coco, Samba de Pareia, São Gonçalo, Cacumbi, Taieira, Reisado”.

Posteriormente, encontra fitas vermelhas que se encontram com fitas verdes, amarelas e azuis. As fitas podem referenciar tanto aos grupos folclóricos locais, quanto aos Orixás Exu, Oxum, Ogun e Oxóssi. Orixás, também conhecidos como Ori no Brasil, são divindades cultuadas pelos povos iorubás e parte de seus descendentes. Os iorubás representam Exu com a cor vermelha, ele é o orixá dos caminhos e da comunicação; Oxum, é representada de amarelo e portadora de um espelho, é a ori dos rios doces, da fertilidade, “senhora” das pedras preciosas”; Ogum é o orixá guerreiro, “senhor do ferro e da tecnologia”, representado de azul; já Oxóssi é o ori protetor das matas, da fartura, do sustento.

No desenrolar do vídeo, Jaque Barroso segue as fitas até encontrar uma árvore cheia de espelhos pequenos e abraçá-la. Mais adiante, encontra os mestres e mestras que lhe apresentam um espelho maior. Nele, ela se observa não de branco, mas com uma indumentária colorida e cabelo decorado. Ela se enxerga várias vezes no espelho até se tornar como ele a exibe. A coletividade está presente nesse momento, ela não está mais só, mas com sua comunidade, transformando-se em uma porta voz dela: “Passa lá em casa, vai tomar uma meladinha, que hoje nasceu a menina de Luzia”. O renascimento e empoderamento a partir do reconhecimento das suas tradições. A Mussuca não é apenas local de ancestralidade, mas também de pertencimento e conexão, que deve ser compreendido, louvado e seguido.

O afrofuturismo está presente do início ao fim da canção, numa conexão passado, ao som de batidas dos tambores da cultura popular negra laranjeirense, sua gente e suas formas de ser, e futuro na indumentária, na formatação do vídeo e nos beats eletrônicas do dub e do Drum N’ Bass, onde Jaque Barroso cria uma narrativa de empoderamento negro. Ao final do clipe e da canção, retorna a ideia inicial e central do valor quilombola: “Olha, se tu soubesses o valor que a Mussuca tem, tu tomava um banho de quilombo e virava Mussuca também”.

Salve a ancestralidade negra, suas narrativas, suas lutas, suas festas, seus mestres e mestras, suas resistências, e suas existências! Salve Jaque Barroso!

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais