Ailton Silva dos Santos
Aluno do Mestrado Acadêmico (PROHIS/UFS)
Pós-Graduado em Didática e Metodologia de Ensino (FSLF)
Graduado em História (FJAV)
Baseado nos quadrinhos desenvolvidos por Alan Moore e David Lloyd em 1988, o filme V de Vingança foi dirigido por James McTeigue, sendo uma coprodução dos EUA, Alemanha e Reino Unido. Sua estreia ocorreu em 2006 e apresentou a estória de uma sociedade distópica, possivelmente situada entre os anos 2032 e 2038, que é cerceada por um regime totalitário encabeçada pelo ditador Adam Sutler. Na construção de seu roteiro, podemos destacar que a revista em quadrinhos bebe de uma fonte ainda mais antiga que é a concepção “E se?”, subgênero da ficção cientifica que busca imaginar o mundo a partir de uma construção contrafactual da história.
Em V de Vingança, diferentemente de 1984, que foi escrito por George Orwell e constrói uma distopia baseada em sua experiência e imagina o país controlado pelo totalitarismo, temos a Inglaterra reimaginada como consequência de uma guerra norte-americana que lhes atingiu e do plano de agentes do governo que conseguiram o controle através da proliferação de um vírus mortal, para o qual somente eles possuíam a cura. Essa construção possibilita uma proximidade ainda maior com a obra, pois, em Orwell, temos regiões com nomes estranhos à geografia e um passado que foi reinventado pelo partido tantas vezes que a materialidade histórica se perdeu. Aqui, temos o fantástico agravamento de conflitos bélicos ocorrendo com nações conhecidas, pois já as visitamos ou ouvimos seus nomes nos jornais. Outros pontos também se destacam em sua aproximação, como a proliferação de noticiais falsas, a divisão da sociedade entre ‘nós e eles’ e a atuação do capital privado na política.
Similar ao livro O Homem do Castelo Alto, de Philip K. Dick, temos o mundo como o vemos, sendo imaginado de uma maneira diferente; ou seja, a realidade do fato histórico sendo interpretado imageticamente à revelia da materialidade dos fatos. Ora, o conjunto da obra constrói personagens que são paralelos de indivíduos e situações possíveis, ou passíveis, de serem concebidas ou analisados na materialidade histórica.
Entrementes, a máscara que esconde o rosto do protagonista remonta a Guy Fawkes (1570 – 1606), componente importante na Revolução da Pólvora em (1605), um militar de orientação católica, que intentou explodir o parlamento durante o reinado do rei protestante Jaime I no dia 5 de novembro. Esse objeto, que transpôs as telas e foi ostentado por diversos indivíduos em manifestações pelo mundo, assume um caráter metalinguístico, uma informação sobre o que está sendo informado. Pensemos, no âmbito da situação de revolta, termos um objeto que remonta a um movimento de subversão sendo utilizado em ações e intenções subversivas. Compõe a ideia que atravessou os séculos da sociedade inglesa e não morreu. A intenção sobreviveu e sobrevive ao homem. Esta deve alimentar, no íntimo do indivíduo, o desejo pela mudança. Ora, o fomento à busca pela transformação é um tema recorrente na película, pois, na Galeria Sombria (esconderijo do protagonista), pode-se observar quadros e, dentre eles, está a obra do pintor norueguês Edvard Munch (1863–1944), chamada Puberdade, e algumas borboletas, o que retomam a mesma perspectiva. Assim como a transformação, que pode ser entendida como libertação dos personagens, em que V se vê transmutado pelo fogo e Evey, outra personagem de grande relevância no roteiro, é reanimada pela água. Elementos opostos em que pessoas com ideais contrários à opressão renasceram.
Contudo, um dos maiores pontos de destaque é observar como essa construção narrativa de ficção científica veio a se integrar no histórico. Assim como os investigadores da trama se perguntaram sobre a veracidade das notícias e o equilíbrio, propagado com tons de milagre, que o governo lhes fornecia. Fora das telas dos cinemas, houve pessoas que vieram a se mascarar e tomaram as ruas, grupos e hordas gigantescas, a fim de questionar posições e tomadas de decisão do seu governo. Elas, nas telas assim como nas ruas de diversas cidades do Brasil, se fizeram as mesmas ou perguntas semelhantes.
Um fato a se analisar é a capacidade dos filmes em impactar a realidade social, não somente no âmbito cultural ou econômico, pois, assim como as matérias de jornais ou programas de rádios, são pensados, montados e patrocinados. Se existem produções que venham a beber de fontes concebidas materialmente, qual a literatura ou períodos da história, também é provável que o contrário pode acontecer. A realidade concretamente observável, pode ser influenciada por obras cinematográficas. Onde o “E se?” da ficção cientifica pode vir a constituir fenômenos cientificamente observáveis.