Havia um interesse em Jean Luc Godard desde a década de 1970: o vídeo. Só que o vídeo manifestava alguns parâmetros de uma era eletrônica, e colocava o espectador numa espécie de mundo-cosmos da novidade das imagens que povoam a realidade. Pois foi com o vídeo que começamos a guardar imagens de casamentos, aniversários, festas, eventos, coisas particulares. E foi com ele que nós, seres humanos, entendemos que o cinema pode ser algo que qualquer pessoa faz.
Godard entra na era eletrônica como nenhum outro cineasta de sua época. E fica, por muito tempo, incompreensível. A loucura de armazenamento e confecção de um novo mundo chega à clássica série chamada Historias do Cinema, do diretor. Toda feita em vídeo, porém, com imagens gravadas de filmes clássicos. Filmes estes que já eram vendidos em vídeo, e poderiam ser assistidos em casa, numa tela com um vídeo cassete.
Pois, talvez, tenha sido nessa era do vídeo que a imagem se tornou, finalmente, uma espécie de signo próximo da palavra. Sim, essa opção existia no cinema desde as novas vanguardas do cinema – mas é com o vídeo que isso da escrita do cinema ganha um caráter mais preciso. Não falo nada que veio de mim, até agora. Acredito, também, que fale para poucas pessoas com esse interesse num cinema pós-vídeo.
Em Imagem palavra, Godard diz fazer um livro de imagens. É o título original do filme. O que se chamou de vídeo, na era digital, tornou-se a multiplicidade de olhares, as potencias de organização conjunta. Cinema, porém, imagem-palavra.
Godard é violento na deformação das imagens que colheu faz tempo. Guarda muitas imagens, repete em seus filmes. Principalmente aquelas imagens de um cinema que deu origem ao que foi o dele. Nicholas Ray, citado por Guy Debord em Sociedade do Espetáculo, volta em Godard – mas são as visões de um antigo cinéfilo que se adequou ao novo mundo das imagens palavras.
O mais difícil no filme atual de Godard seria entender o terror contemporâneo. Uma espécie de terror que não parece ser “estilizado”, da maneira norte-americana. Um terror mais realista, ou, mais expressionista, muito relacionado com um tipo de vidência do artista. Esta que, para qualquer artista de galeria, é aceita – mas no cinema é algo ainda estranho.
As imagens de Sarajevo, da Palestina, das lutas na Líbia, na periferia da Europa, não são um terror somente para quem as vive. São previsões, também, de um tipo de mundo-cosmos atual, ao qual o capitalismo nos teria levado. Povos refugiados de uma guerra terceirizada fora dos territórios espiritualmente “limpos”, do primeiro mundo. Guerras televisionadas, gravadas em vídeo e digital, mas que não são feitas dentro das grandes cidades do núcleo duro.
Essas imagens nos revelam um terror futuro. Uma maneira de Godard, com 88 anos, nos dizer sua perspectiva de observação do mundo – além, claro, do cinema.