Quando as tropas do General Mourão Filho cruzaram o Rio Paraibuna, divisa entre Minas Gerais e Rio de Janeiro, o Governo do Presidente João Goulart desabou como um castelo de cartas.
Aquele grupamento não era um exército, era um contingente pequeno.
Dir-se-ia que facilmente seria rendido, com um simples toque de clarim, mandando debandar, sem maior esforço.
No entanto, atingiu sem resistência o Ministério da Guerra, prédio vizinho a Estação de Ferro Central do Brasil, como uma parada vitoriosa, ali prestando continência aos Oficiais de Maiores patentes, no Caso o General Costa e Silva, por cumprida a missão, que não passaria de uma bisonha pantomima, se a adesão do contingente nacional armado não seguisse rápido, e unânime, pelos demais esquadrões espalhados nesse país continente.
Os cronistas da época falam, por exemplo, que houve um esboço de resistência do 2º Exército, sediado em São Paulo e comandado pelo General Amaury Kruel, dito amigo, conviva e compadre do Presidente Jango, que tentara via telefone condicionar-lhe uma fidelidade que desmoralizaria o mandatário se assim a concedesse.
Jango, embora poucos lhe façam elogios, era um homem de princípios, preferindo cair, ser derrubado da Presidência, como aconteceu, inclusive sem luta, sem se submeter a essa condestável suserania proposta, cujos termos ninguém nunca soube o conteúdo, mas que o desmoralizaria politicamente para sempre.
Da honra, há os que a têm, e há os que só a sustêm, conforme as condições o exigirem.
– “Ao rei tudo, menos a Honra” – é uma frase atribuída ao espanhol Pedro Calderón de la Barca, criada só para no palco ser recitada, embora fosse bem haurível nos lábios terminais de um Santo inglês, o Tomas Becket, e exaurível também pelo humanista Thomas Morus, o primeiro esfaqueado no altar, reafirmando a sua fé, e o segundo sendo decapitado em cepo e machado, por um Rei atrabiliário e promíscuo, que lhe exigia a submissão e a condescendência com o erro.
Com Jango, ninguém morreu, nenhum lutou.
Todos conservaram a sua honra ou o pouco que dela restou, afinal in terra pátria, é costume conferir adesão ao golpe, desde a véspera!
Foi assim desde a Queda do Império, com Pedro II abandonado, foi também na subida de Getúlio Vargas, com os jumentos apeados no obelisco da Avenida Central do Rio, e nas duas derrubadas do mesmo Getúlio em 1945 e 1954, sem jerico, jabiraca, calça-bufona e bombacha, se bem que nessa última, houve um disparo, um tiro desferido e solitário, de próprio punho deflagrado, por um Presidente que tudo vira no seu entorno, em vil fraqueza e cobardia.
Se a covardia se alimenta da esperteza, em todos os golpes e derribadas ocorridas na nossa historia não se encontra um herói a referir, a erigir como estátua, tudo restando no bom esquecimento, por pacificidade de um povo pouco heroico, muito bravo e retumbante.
Dito assim, sem culminâncias novas, mas com fartas flatulências confirmadas, eis que o “Esperado Golpe de Sete de Setembro” deu chabú.
Não foi um peido de veia, como aquele mau letrista previra, animado por sua bolha em próprio abrolhar.
Porque foi espinhenta a reação abespinha dos que se incomodaram com o oceano de gente espalhado e espraiado, em praças e avenidas pelo país, aplaudindo outras teses, bem distante das suas velhas alegorias, em que o povo unido, massa iludida, a tudo e todos venceria, fazendo a hora e a vez, sem saber o que e a quem seguir, pagando a conta por fim, da ilusão perdida, do discurso sempre vão, repetido, no descaminho percorrido.
Mas, se deu dó ver tanta gente pensando diferente e divergente, sem fímbrias de terceira via, inclusive, reafirmando o pouco derretimento do Mito falastrão, o pior do rescaldo é que, se há os que lamentam o aplauso perdido, há aqueles que duvidam da ira do povo, do fogo de sua vontade, do rogo do seu pedido.
Se para os primeiros vale insistir no seu grito a busca das teses ilusórias já vencidas, aos últimos sobra o velho motejo de deprecio destinado às súcias de todos os tempos, hoje não tão plebeias, mas sempre malvistas, por patuleias incomodativas, a serem contidas na lei e sob a sua repressão.
Não foi essa a leitura do discurso do Ministro Fux, para quem o fulcro do povo na rua mais que um equívoco, serviu somente para um toque de guerra seu, conclamando todo o Poder Judiciário Nacional, incluído o Ministério Público, os advogados e defensorias a, senão enfrentar, terçar armas, contra o que entendeu como um desafio aos poderes constituídos, que longe de fazerem um mea-culpa de desacertos cometidos, reafirmaram renovada vontade de enfrentar as massas para, senão reformá-las, manietá-las e amordaçá-las!
Mas, o que se esperaria de uma manifestação sóbria, pacífica, bem-comportada, que não deixou rastro de lixo, e nem mesmo o cheiro, aquele velho cheiro, cheiro de povo, que a Avenida Beira Mar tanto reclamava enquanto rescaldo de Precaju, exalante por semanas!
Não foi esse perfume que fez banir aquela alegria pré-carnavalesca da nossa Avenida?
O que pensar do retorno de um protesto cuja única deselegância foi o epíteto de um “canalha”, atribuído e gritado, num discurso mais-que-aplaudido, enquanto verve de palanque?
Só podia dar nisso de retorno, o que me faz lembrar de outros feitos iguais e inúteis, porque o “povo unido”, nunca é, mas sempre o é: “vencido!”.
Foi assim nos manifestos do “não vai ter Copa!”; foi assim no “não vai ter golpe!”, só resultando um amplo palavrão recitado no Campo do Maracanã, contra Dilma Rousseff.
Foi assim no “não vai ter golpe!”, quando do seu impeachment por falhas pedaladas.
Foi igual na “prisão do Lula”, num Sindicato refugiado, e até no Capitólio dos Estados Unidos, quando o sangue correu, mas só do lado que perdeu, o que nada vale.
Em outras sangueiras vertidas, poder-se-ia também incluir a fuzilada promovida pelos esbirros do Czar de todas as Rússias em 1905, quando o Padre Grigory Gapon reuniu uma passeata pacífica, só para entregar um manifesto ao mesmo Czar, e o pau mais que cantou, sendo vingado depois, em 1917, levando a queda do regime, resultando na famosa Revolução do Proletariado de memória conhecida.
Hoje, mais de cem anos depois, tudo esquecido, sobretudo o Padre Gapon, só restando Lenin, enfarruscado e assustador, embalsamado, visto por mim, e por uma circunstância que não lhe ousa conceder um pio, em dissonância e reverência, no Kremlin, ao derredor do esquife mausoléu.
Se as passeatas no seu labéu nunca vingam como é esperado, a França com os seus “coletes amarelos” se revoltando todo fim de semana, revelam uma pátria fraturada a merecer muitas reformas, em previas inúteis de Revolução, sempre parida pela imprudência dos homens que veem com desleixo o desfecho do descontentamento de um povo.
E olhe que a França tem a lembrança do avanço das mulheres sobre Versalhes, resgatando como de sua custódia, não só “Le boulager, la boulangère et le petit moutron”, o Padeiro, Luís XVI, a Padeira, Maria Antonieta, e o Padeirinho, o Delfim, também Luís, que não mais lhes impediria a falta de pães,…, nem de brioches.
Agora, em novos “aproches”, bem dignos de reproches, estamos a viver um ambiente amplo de insatisfação no nosso Brasil, nunca visto por mim.
Algo deveras censurável, só para dizer que o paradisíaco Estado Democrático de Direito, tão almejado e sonhado, vem decepcionando um vasto segmento da nação.
E os Poderes da República, míopes a tal insatisfação, entendem que a nossa Constituição Cidadã, mas que uma obra humana, eivada de erros e imperfeições, virou uma obra divina, irretocável!
Se as Leis de Deus não vigem mais no delimite das ações dos homens, o que dizer de uma Constituição que erige uma Federação de Estados Membros, uns nada valendo, porque valem pouco mesmo, outros grandes e portentos, mas desvalidos à força por nivelados, sem que ninguém soubesse o porquê, nem assim o convencesse?
Só porque alguém ditou que o Legislativo devia ter um mínimo exagerado de oito Deputados por Estado e um Máximo reduzido de setenta, para formar um colegiado de 513 assentos, quando bem deveria ser um número bem menor e mais equilibrado?
E o que dizer do Senado, essa corte esdrúxula que já foi vitalícia no Império, e depois teve mandato de nove anos, na 1ª República?
E que depois, mesmo com o intermédio de regimes autoritários, quando foi extinto e depois apeado, com os famosos “Senadores Biônicos”, hoje resiste com um mandato longuíssimo de oito anos…
Por que oito anos? Não é demais numa Respública?
Por que renová-los, em 2/3 e 1/3, a cada quatro anos, desorientando tudo e impedindo, mais que tudo, numa dízima simples, e sem fim, a se perder, indefinidamente?
Por que três Senadores por Estado?
Para que tanto, se a Federação Americana, essa sim, nascida de um acordo entre 13 Colônias, tem Dois Senadores por Estado, com um mandato mais curto, de seis anos, uma eternidade!, com eleição renovada de dois em dois anos, sem dar Direito a ter Senador até por ser um Distrito Federal?!
E o que falar do Supremo Tribunal?
Vale à pena dizer alguma coisa se tanta gente dali fala de cor e disserta melhor do que eu?
E o que falar também, que vivemos numa República, cheia de privilégios, verdadeira aristocracia, tudo sob o amparo da Lei, um desafio nem arranhado por um operário, enquanto mandatário Presidente, e nem por uma guerrilheira, gente que se pensava reformista, até a medula, mas que bem conviveu com a pústula, o desmando, sem ousar ferir o cancro, a ferida, que não mata o país, mas o depaupera?
E haja coisa! Muito mais do que um simples desconforto com um Presidente falastrão!
De forma que, disso tudo só quero dizer, que achei bonito o oceano de gente reunida no Sete de Setembro, desancando o que merecia.
Estava eu lá? Não!
Só achei bonito, embora continue achando tudo inútil. Nada muda!
Falando em verve de outros protestos, velhas inutilidades e outras porcarias, o amontoado nas ruas, vale menos que o feito por um Governante de Alagoas, isso em tempos bons onde não vigorava a possibilidade de reeleição… A reeleição piorou tudo.
Diz, porém, o feito, que o governante, antes de legar o palácio dos Martírios, mandou caiá-lo com as fezes do seu eleitorado, em protesto.
Sem léria, pilhéria ou bazófia, o novo Mandatário teve que assumir o Paço, temendo errar o passo e pisando falso, antes mandando sanitizar o Palácio que demorou a perder o perfume.
Lembro dessa fragrância, porque uma passeata sem deixar o seu mau odor, vale muito pouco, para muitos!
Vale tão pouco, que o fogo em Borba Gato, o Bandeirante, vingou melhor notícia e foi menos venalizada!
Sem crime e em pouco arrime, no meu refletir, não é bom mexer com estrume, nem com a raiva de um povo!
Por enquanto, só há esbravejes e alvejes, em fogo grego de festim…
Com festejo e sem pilhagem, do povo amontoado em tanta gente reunida nas praças, avenidas e ruas, por todo rincão do país, mostrando sua alegoria com a pátria embandeirada, apoiando as teses do Presidente falastrão, não cabe o desprezo, nem o desbaste…
Se o problema da algaravia foi a frustração do outro dia: a água fria na fervura lavando o gozo da euforia, pode ter sido um chabú, um peido de veia que chabou.
Em verdade, aconteceu algo ainda não de todo sabido, porque em veridicidade plena, o povo está muito longe de firmar o seu poder, como na Constituição o afirma, enquanto “somena”, poesia!
Falta-lhe muitos somenos, que lhe ousem os desafios.
Poucos acreditam na força do povo, na sua ira, na sua capacidade de se revoltar, de desafiar a lei que o amordaça e imobiliza.
Enquanto o povo sair às ruas só para o festejo das boas palavras, e o cisco restar bem varrido, vingará somente a ameaça, a elegia de uma promessa vazia, uma tempestade prometida, adiada ainda, para o ajuntamento de nuvens.
Sem pensar assim, depois que a acalmia vingou, e já refeita do susto, a crônica gorgolejou insolente, dizendo que o Presidente Bolsonaro cantou de franga e correu da raia sob o seu comando…
Melhor ter sido assim, que o desvario!
Quanto ao resto, bem melhor que tudo foi o Mito se repetindo igual, sem desvios, nem derretimentos como denunciado, falando altivo na ONU, e comendo pizza de boteco…
Haja matéria para espanque!