Harildo Deda: Um artista que é uma escola

A família Deda, alojada há muito tempo em Simão Dias, onde cresceu e de onde saiu para os diversos embates da vida, tem na Bahia um artista – Harildo Deda – que além de ator, diretor, professor, é uma escola de teatro, a quem as novas gerações de artistas baianos muito devem. Recentemente ele teve a oportunidade de degustar o sabor do reconhecimento, quando recebeu homenagens alusivas aos seus 70 anos de idade, feitos em 2009. Harildo Deda é, como ele próprio o diz: “sergipano, mas sou um ator baiano.” Isto quer dizer, certamente, que Sergipe lhe deu o berço, lhe deu a sensibilidade diante da alma sergipana, deu família e deu amigos, mas a arte que o fez grande foi produzida no ambiente adiantado da Bahia.

 

Harildo Deda viveu pouco em Sergipe, ainda que tenha laços profundos com a cultura sergipana, tanto naquilo que ela é única, quanto no que é universal, pelos variados repertórios e pelos valores que conotam as diversas linguagens estéticas. Viu em Simão Dias, por exemplo, o teatro popular dos Reisados e Cheganças, que saíam às ruas no ciclo de festas do Natal. Conheceu homens peritos na arte do couro, que faziam armaduras para os vaqueiros das fazendas de gado e das festas de apartação. Sentiu, na proximidade mais íntima, os sentimentos de fé e de devoção, que Nossa Senhora Santana inspira, no mês de julho, com trilha sonora de bandas de música, que foram tantas que permitem evocar o maestro Manoel Pedro das Dores Bombinho, que além de reger, escreveu uma história em versos para Canudos, o primeiro documento literário sobre a epopéia dos jagunços.

 

         Em Aracaju, Harildo Deda fez amigos, conheceu a incipiente arte teatral sergipana, viu os espetáculos do TECA – Teatro de Cultura Artística, sob a direção de João Costa, partilhou das inquietações dos jovens, freqüentou a Galeria de Artes Álvaro Santos, que era um ponto informal de encontro, antes de ir para a Bahia e conquistar os baianos com sua arte. Levava consigo a experiência de ter feito teatro na Igreja Presbiteriana de Simão Dias e ter estudado teatro nos Estados Unidos, pensando em profissionalizar-se. A Bahia não era indiferente, ele já vivera, na década de 1950 na boa terra e ensaiara os primeiros movimentos como ator, em Salvador.

 

         O CPC – Centro Popular de Cultura foi uma escola livre de teatro, que engajava politicamente os seus participantes. Harildo Deda tem, na sua biografia, uma rica passagem pelo CPC, fazendo coro para as músicas de Billy Blanco e os textos de Oduvaldo Viana Filho, como teve noção da repressão imposta pelos militares de 1964. A década de 1960 foi, então, vivida em parte na Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, graduando-se em 1970 e logo entrando em cena como ator, iniciando uma carreira de êxitos, que mais e mais acumulou oportunidades de demonstrar talento, inventividade, aperfeiçoando os modos de atuar nos palcos da Bahia e do Brasil. Em 1978 vai fazer Mestrado em Artes Cênicas nos Estados Unidos e quanto volta encara o trabalho de direção teatral, elevando ainda mais o conceito de artista completo que Sergipe deu a Bahia e ao Brasil.

 

         Na cátedra e mais ainda nos palcos, Harildo Deda fez escola, fazendo florescer uma geração de atores, diretores, cenógrafos, produtores, que deram vida nova ao teatro baiano, especialmente às suas casas de espetáculos, que passaram a atrair público de toda a região. Foi graças a esse trabalho de renovação e de criação de uma nova medida de qualidade estética para a dramaturgia baiana, que criou-se o eixo Bahia-Rio, facilmente identificado na TV e fortalecido pela música que o carnaval eletrificado passou a produzir para um público em delírio. São muitas as conexões que envolvem Harildo Deda e sua escola de teatro, como são muitíssimos os sucessos de montagens que fizeram grande sucesso nos palcos baianos. Atuando ou dirigindo, o artista sergipano mostrou-se a altura de tudo o que indicava aos seus alunos e seguidores. O nome de Harildo Deda está ligado não apenas ao teatro, mas também a televisão, onde atuou em séries como O pagador de promessas, Dona Flor e seus dois maridos, Carga Pesada, e ao cinema, onde fez Tieta do Agreste, Central do Brasil, Cidade baixa, Orquestra dos meninos, que expressam o múltiplo talento, conformado às linguagens artísticas.

 

         Uma vida dedicada a arte, cumprindo uma trajetória que foi, no ano passado, ao ensejo do seu aniversário, evocada e celebrada por antigos alunos, parceiros de arte teatral, que guardam do mestre as mais permanentes lições e exemplo de trabalho. Sergipe deve a Harildo Deda um gesto que signifique, para todos nós sergipanos, um justo reconhecimento a quem soube situar-se, no tempo da vida e nos cenários da Bahia, como artista múltiplo, na expressão mais ampla do seu trabalho.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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