DECORAÇÃO CASA DE CLÔ EM UBATUBA
O LUXO PODE SER BOM GOSTO MESMO, HÁ DOIS ANOS CLODOVIL SE DESPEDIU, OS SEUS ÚLTIMOS 15 DIAS FORAM EM ARACAJU
Quando subi a montanha, digo, a ladeira, que dava acesso à casa do Clodovil, em Ubatuba, desesperadamente cansado, depois de uma viagem de 1 hora e pouco de São Paulo, vi aquelas dezenas de jarro imensos com plantas, de cor sépia, até chegar ao portão eletrônico, onde um guarda abriu a garagem e fechou a cara, quase não respondendo ao meu boa tarde. Na estrada, eu e Clô, havíamos parado para comprar queijo e água de coco e fomos à uma conveniência, onde ele, com um casaco vermelho sobreposto sobre a camisa bege, estava deslumbrante. Crianças davam escândalo para ele calçar as sandálias da humildade, e pediam fotos, e homens, bofões casados pediam também flashes. Clodovil era a própria diva. Ao adentrar na parte de livros e revistas, ele disse: pegue o que vc quiser. Achei aquele pegue o que vc quiser o máximo. E peguei 300 reais de revistas e jornais, – achei ainda pouco, e pedi a coleção de Chat Backer que estava única, tadinha, perdida no balcão de pagamento. A Clô nem ligou, aliás o Clô. Eu adorei tudo. Seguimos. Mas voltando à entrada da casa, pude fantasiar aquele lugar lindo. Depois de me mostrar a casa toda, eu exausto e chato, pude ver que as suas peças não eram, de fato, lá tão caras, mas tudo muito de bom gosto e encaixado. Tinha quadros que mereceriam a fogueira, e outros como o pintado com a fotografia dele e assinado não me lembro o nome e a fama agora, que compunham o ambiente que eram o máximo de glória! Era tudo muito bem desenhado, flores sempre nos jarros e nas mesas e muita elegância na hora das refeições. Pratos com as iniciais dele: CH, lençóis e toalhas divinas e muitos
funcionários. Muitos. Brinquei com ele dizendo que ele me lembrava Versace. A Clô, que de rogada não tinha nada, disse “deixe de ser cafona, veado”, aquela Versace era só ouro e dobradiça. Estrebuchei de odio. Havia CDs bárbaros , livros divinos e muita, muita iguaria e bebida para vararmos a noite. Mas era tudo um pouco-muito-triste quando anoitecia. Não havia homens, nem sexo. Só no apartamento da República do Líbano, em São Paulo, mas tudo muito comedido. Às vezes Clô se encantava com o visitante, e o levava conosco para o jantar. Era o máximo! Ele deitava na sua cama, eu ao lado, luzes de lad para as roupas não ganharem mofo e ele dormia solenemente envolto a sedas, travesseiro de pena de ganso e, vez por outra, acordava e dizia: para de mexer no que vc não sabe. Eu já estava louco mudando os mil e um canais de TV. A casa de Ubatuba era o sonho de Clodovil que agora deve ser transformada em Instituto ou Casa Izabel Hernandez, se o trâmite judicial não demorar mais um século. A casa está avaliada em mais de 4 milhões de reais, possui dezenas de aposentos e passagens secretas. Clodovil, que nos deixou há dois anos, em 2009, não deixou herdeiros, mas deixou em seu testamento o pedido para transformar a mansão em uma fundação beneficente para orfãs, que terá o nome de sua mãe adotiva.
Possuidor de um senso de humor incrível, que beirava às vezes ao mau gosto, Clodovil foi insuperável em tudo. A casa continua com sua presença- batendo as portas e servindo kiwi com maçã verde, no café da manhã, e ainda ouço a sua voz dizendo: declame para mim Mário Faustino. E assim foi. E assim era. Um dia, voltará a ser.
ENTRANDO NA CASA DO SOL
Quando cheguei à Casa do Sol, em Campinas há 20 anos atrás, estava Hilda Hilst, de bata indiana, me aguardando no pátio cercado de cachorros. Como li ainda virgem o seu livro “Com os meu Olhos de Cão”, falei: é ela mesma! Não podia imaginar que estaria ali, diante da bruxa das palavras, – armadilha difícil, para um candidato eterno a escritor de primeiro naipe. Aquecido pela figueira e pela andada kilométrica da Br, na fábrica Monte Deste, até a sua casa, perpetuei ali mesmo, o sonho do garoto de Magé. Estava eu mesmo, carne-osso, olhar de castanhola, diante de Hilda Hilst.Chás ingleses, natais juntos, escândalos, vinhos, wiskis e mesas ao chão, além de brigas, gritos e muita, muita poesia e amor. Amor que me fazia dormir ao seu lado, com um quadro de São Francisco de Assis, quando ele estava tossindo muito, adivinhando já chuva.
Eu, agora amado por ela, apaixonado por Ernest Becker, seu guru e compreendendo mais do que nunca, a soberana: a morte. 30 anos esta noite no dizer de Paulo Francis, Hilda Hilst faria hoje, 21 de janeiro de 2011, exatos 81 anos. Eu dava a vida para estar ao seu lado, de novo, na Casa do Sol. Depois de sua morte, nunca mais pisei lá. Continuo o mesmo: sozinho e trêmulo. Infelizmente, a cada dia, mais triste.
TOMIE OHTAKE
O círculo sempre foi sua paixão. Como se encostada no painel da terra, Tomie Ohtake nos deslumbra a cada obra. É soberana, elegante e cáustica. Seus quadros são uma raridade, uma relíquia. Obras podem cruzar a Paulista e as estações de metrô. Mas o que importa. Tomie é uma mulher de segredos. Mãe de Ruy Ohtake, uma dos mais conceituados arquitetos do país, ela é uma predestinada à glória. Ao visitar o Instituto que leva o seu nome, em Pinheiros, erguido e projetado pelo filho Ruy, incorporei aquilo que podemos chamar de fã esquizofrênica. Tomie para mim sempre será um desvendar de mistérios. Assim como a sua obra, sua vida, sua solidão.
Desde pequena, ela queria ser artista e chegou a estudar aquarela na escola, mas o meio conservador em que cresceu no Japão, entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, não favorecia suas vontades. A forma que ela encontrou para escapar foi convencer a mãe, em 1936, que vinha visitar o irmão no Brasil. “Eu tinha de dar um jeito de sair do Japão e prometi a ela que vinha para ficar um ano”, conta. Três meses depois de desembarcar, Tomie Nakakubo se casava com o engenheiro agrônomo Ushio Ohtake, morto em 1977.
Apesar da identidade japonesa, Tomie nunca foi de ficar em gueto. Ela vivia na Mooca, “onde era tudo italiano”, relembra-se. Seus filhos estudaram em escola católica e sua dieta vai bem além de sushi e sashimi. “Nunca me esqueço do bife a cavalo que comi, quando desembarquei no Brasil. É uma das minhas comidas favoritas.”Persistência também é outra marca de Tomie. Teve dois filhos e, só após criá-los, quando já estava próxima dos 40 anos, começou de fato sua carreira
artística, como autodidata. Então o que estava guardado por tanto tempo começou a aflora
Por que o círculo? “É uma forma muito sintética. Trabalhar só com ele é um grande desafio. E ele é também o primeiro desenho que os bebês fazem com os dedinhos”, conta, repetindo o gesto.
Em um texto de 1961, o crítico Mário Pedrosa (1901-1981) escreveu que Tomie era “uma pintora que ainda está se formando, numa personalidade já desabrochada”, portanto, nela, “a obra corre atrás da personalidade¨.