Indignações Seletivas por Discriminação de Classe

Tanques de guerra postam-se diante de prédios e condomínios residenciais de Copacana, Ipanema e Leblon, no Rio de Janeiro. Soldados do Exército, com armamentos pesados apontados para moradores, inclusive crianças, levam a efeito uma ocupação desses bairros, tomados pela criminalidade de colarinho branco, que proporciona tantos desvios de recursos públicos – que deveriam ser aplicados em setores essenciais como educação e saúde (com o que causam mortes e graves abalos à saúde e integridade física e psíquica de diversos brasileiros) – para locupletamento privado às custas do erário. Tudo com base em um “decreto da lei e da ordem”, editado sem base na Constituição, mas como forma de garantir a ordem pública, tão fortemente violada pelos sucessivos assaltos aos cofres públicos proporcionados por criminosos poderosos que residem nesses bairros da Zona Sul carioca e dali organizam todas as suas ações criminosas. E, com base em um mandado judicial de busca e apreensão coletivo, os soldados do Exército têm autorização para invadir todas as residências desses prédios e condomínios residenciais, para apreender objetos e documentos que sirvam como provas daquelas práticas criminosas; afinal, existem fortes suspeitas de que diversos desses moradores são sonegadores de impostos e fraudadores do erário.

Surreal?

Não. É o que está acontecendo no Rio de Janeiro. Só que ao invés de ser em Copacabana, Ipanema ou Leblon, é no Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro.

Essa surreal descrição é suficiente para perceber que, estivessem esses abusos ocorrendo naquelas zonas “nobres”, a indignação seria geral. Vozes se levantariam, sobretudo pelos meios de comunicação de massa (TV e rádio), contra o Estado Policial, que descumpre a Constituição e a lei, viola direitos individuais fundamentais (a exemplo da liberdade de locomoção e a inviolabilidade domiciliar) e trata a todos como presumivelmente culpados.

Quando as violações/restrições de direitos e garantias fundamentais recai sobre comunidades periféricas, sem posses, sem maior poder de fogo e de ressonância social, a anestesiada sociedade aceita tais violações como necessárias ao combate ao crime organizado. Um perigo, no sentido de legitimação social da criminalização da pobreza, de legitimação do Estado Policial que aponta a sua faceta repressora apenas sobre determinados segmentos sociais.

É o que identificamos como indignação seletiva. Pior: indignação seletiva por discriminação de classe. Um forte obstáculo a ser superado na difícil tarefa de consolidar o nosso Estado Democrático de Direito e caminhar rumo ao seu efetivo aperfeiçoamento.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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