Informação e Censura

Karla Karine Jesus Silva

Formada em História pela Universidade Federal de Sergipe e mestranda em História pelo Programa de Pós-Graduação em História desta mesma Universidade. Integra o Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq).

Quanto mais interconectado fica o mundo, tanto mais a Internet conquista simpatizantes de todas as esferas sociais. Donas de casa, estudantes, políticos, militantes, religiosos, jovens, adultos, idosos, enfim, todos os que se contagiam com as possibilidades que ela oferece em termos de comunicação e informação, tornam-se doentes incuráveis.

O ciberespaço durante muito tempo foi ocupado, dentre outras coisas, por extremistas, fundamentalistas, revolucionários e partidários, que o utilizavam para veicular suas idéias e fomentar discussões. Devido a isso, governos autoritários fizeram do ambiente virtual um lugar restrito em seus países, censurando boa parte do que é divulgado neste ambiente. Assim como os demais meios de mídia, TV, rádio, jornais, revistas, impressos, a Internet mantinha-se de mãos atadas na Rússia, na China, na Venezuela, em Cuba, na Coréia, no Egito, no Irã, dentre outros.

Mas a simpatia, por assim dizer, da web acabou seduzindo estes regimes. Dizem que quanto mais se restringe algo, tanto mais ele se torna atraente. Isto tem sido um fato. Por isso, muitos destes governos perceberam que ao invés de censurar excessivamente o uso da Internet, ela pode ser uma grande aliada enquanto meio de propagandear seus partidos.

Hugo Chávez foi um exemplo disso. De crítico ferrenho da Internet, que a acusava de “curso de formação de quadrilhas”, o finado presidente venezuelano tornou-se um navegador assíduo do Twiter. Apenas 24 horas após ter criado sua conta, já tinha 50.000 seguidores. O que fez Chávez mudar radicalmente de idéia com respeito ao uso da web? O mesmo que motivou populistas nos países mencionados: estratégia de ação e manipulação da informação. Estes líderes de governo perceberam que é muito mais eficaz usar o ciberespaço para manipular informações pró-governo, como resposta as críticas e ataques, do que restringir pesadamente seu uso.

O governo chinês foi além. Quando um camponês, Li Qiaoming, preso em 2009 por extração ilegal de madeira foi morto na prisão, os internautas de toda a China acusaram a polícia chinesa de assassinato. A notícia se espalhou de tal forma pela Internet, que mal tinha sido postada já havia recebido 70.000 comentários. Mas as autoridades chinesas agiram rápida e estrategicamente para conter o “estrago” da notícia. Ao invés de eliminar os comentários, convidaram os internautas a investigarem a causa da morte de Qiamiong.

Situações semelhantes também ocorrem na Rússia, onde o Kremlin tem sido bem sucedido em financiar blogs para Juventude do Kremlin ou incentivar o retorno a Igreja Ortodoxa, através de propagandas no ciberespaço. Os países de base islâmica não ficam atrás. O Irã, por exemplo, tem investido sistematicamente nisso. Além de financiar blogs que promovem os princípios do Corão, também criou sua própria rede social, Valayatmadaran – o nome é uma referência ao aiatolá Ali Khamanei. Com objetivo de combater o “mal”, a rede tanto oferece links para artigos, vídeos, músicas e imagens, como promove discussões sobre regras judiciais, mulheres e família.

A emissora de TV estatal da Coréia do Norte fez do Facebook sua ferramenta principal na ampliação de sua transmissão. Sua página conecta-se principalmente com estrangeiros, especialmente a Coréia do Sul, concentrando-se em propagandear o governo de Kim Jong-Il. Por combaterem a publicidade negativa que divulga notícias contra estes governos autoritários no ambiente virtual, veicular informações positivas sobre si mesmos ou serem solidários com os navegadores ao invés de reprimi-los explicitamente, estas autoridades tem conseguido conquistar as massas e atrair partidários.

Isto não quer dizer que a censura aos meios de comunicação e informação, inclusive a Internet, tenha acabado. É que as formas de proibição foram se transformando, em alguns casos, sendo aplicadas mais suavemente, quase passando despercebidas. Visto que é difícil controlar o que é divulgado na web, as autoridades astutamente combatem notícia com notícia, propaganda com propaganda. Isso mostra que as necessidades de informar e ser informado são antigas. Assim como hoje em que qualquer pessoa pode ter sua privacidade estampada nas páginas on-line e minutos após, comentada por inúmeras pessoas na rede cibernética, em anos anteriores arriscava-se qualquer coisa por uma notícia.

Os parisienses do século XVIII, por exemplo, buscavam notícias onde quer que houvesse: a “árvore de Cracóvia”, os salões como o de Madame Doublet, os cafés ou os mercados, não deixavam a desejar quando o assunto era divulgar notícias, orais, manuscritas ou impressas. O Salão de Madame Doublet era famoso por abastecer a curiosidade dos seus frequentadores, com mexericos e canções como veículo difusor. A vida do rei ocupava a maior parte dos comentários, muito similar ao que ocorre hoje com as notícias e os famosos.

Pelo menos duas características desta sociedade são relevantes: 1. A preocupação com a novidade, as melhores notícias ou relatos de acontecimentos deveriam ser as mais recentes possíveis, por isso, Madame Doublet matinha um criado que saia diariamente de porta em porta a procura de; 2. O uso de metáforas, ilustrações, anedotas, diálogos que continham histórias de lugares e pessoas fictícias, mas referiam-se a situações reais. Ao mesmo tempo em que o povo buscava e divulgava as notícias, a polícia era usada como instrumento do absolutismo, limitando e restringindo o que era noticiado. A mensagem evoluía de meros mexericos a formas de criticar e condenar o Estado.

O comportamento dos parisienses e de sua polícia, e das pessoas em geral e das autoridades hoje com relação à comunicação e a informação, é semelhante. As mídias continuam divulgando e o governo censurando. Porém, de acordo com Marozov, “quando a censura na Internet é impraticável, politicamente indefensável ou proibitivamente cara, os governos começam a experimentar com propaganda em alguns casos extremos, a vigilância generalizada”.

A batalha entre informação e censura é uma odisséia sempre presente na história. O hábito de informar e restringir o que é dito, entre povo e governo perdura, no entanto, com novos métodos ou recursos. Os mexericos, os boatos, o material impresso, ganharam aliados como a TV, o rádio e a Internet. Por outro lado, a repressão por parte dos governos desenvolveu novas estratégias de combate, promovendo informações através destas mídias que retrucam o que é dito contra eles. O ciberespaço tem se configurado numa sentinela a serviço dos Estados. As anteriores formas de repressão como a violência e a perseguição não ficaram ultrapassadas. Ainda são aplicadas. Mas, a sutileza da propaganda pela web consegue atingir mais eficazmente o objetivo do Estado de virar o outro lado da moeda a seu favor.

Saiba mais:
DARNTON, Robert. Os dentes falsos de George Washington: um guia não convencional para o século XVIII. Tradução José Geraldo Couto. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

MARAZOV, Evgeny. The net delusion: the dark side of internet freedom. United States by PublicAffairs™, 2011. p. 113-141.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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