Interpelação de duas crianças em Floirac.

Aconteceu em Floirac, cidade situada nos arredores de Bordeaux: duas crianças, uma com seis anos outra com dez, foram interpeladas terça-feira 19 de Maio, diante de sua escola e conduzidas ao posto policial por seis agentes de polícia, acusadas de ter roubado uma bicicleta.

 

A notícia, colho no jornal Le Monde, tem suscitado amplo debate na sociedade francesa, pela maneira como as crianças foram conduzidas ao posto policial. Uma escolta policial composta de seis homens, em duas viaturas, se colocou diante da escola onde estavam as crianças suspeitas e de lá só saíram com os garotos, que foram devidamente identificadas pelas vítimas, crianças também, pela pessoa que prestara queixa e com a apreensão das bicicletas roubadas.

 

A cidade de Floirac é um cantão pertencente à grande Bordeaux, capital do Departamento da Gironda, região populosa do sul da França, situada no litoral atlântico.

Em tempos passados, esta região de Bordeaux pertencera ao feudo de Aquitania, motivo de contenda entre a França e a Inglaterra, território disputado na famosa Guerra dos Cem Anos, berço de muitas pessoas ilustres como os célebres Girondinos da Revolução Francesa, Jacques-Yves Cousteau, oceanógrafo, Aliénor d”Aquitaine, a rainha que casou com dois reis, Luís VII da França a quem abandonou e só lhe deu filhas, e depois com Henrique II da Inglaterra, para conceber Ricardo Coração de Leão e João Sem Terra, o papa Clemente V, o político e Primeiro Ministro Jacques Chaban-Delmas, o cineasta René Clément, a atriz Danielle Darrieux, o escritor e jornalista François Mauriac, o pensador e político da Renascença Michel de Montaigne, Montesquieu, das Letras Persas e do Espírito das Leis, Odilon Redon, o pintor, Edmond Rostand, o autor de Cirano de Bergerac, e tantos outros.

 

Agora, o noticiário esta colocando o Departamento da Gironda como intolerante em relação a pequenos infratores. « Não se trata crianças como adultos », pronunciou-se a Ministra do Interior do governo francês Michèle Alliot-Marie, entre espantada e revoltada, que já solicitou uma investigação interna sobre o processo, alegando que « não se trata crianças, sobretudo muito jovens, como se fossem adultos.

 

Por outro lado, independentemente da reprovação da ministra, a interpelação das crianças foi defendida pelas autoridades policiais de Bordeaux. Para Albert Doutre, diretor do departamento de segurança pública da Gironda, a intervenção foi correta e ele a assume integralmente, « de ponta a ponta », embora venha sendo julgada desproporcional pelos sindicatos de professores e mesmo por partidos como a UMP do atual governo francês.

Policiais franceses conduzindo um menor. É licita a prisão de menores?

 

Para Albert Doutre, foi uma intervenção conduzida com « tato e discernimento » sob reaquisição de uma mãe de família. As crianças foram interpeladas « muito judiciosamente um pouco afastadas do grupo escolar » após o final da aula, antes de ser conduzidas « sem algemas e sem brutalidades”, ao comissariado, onde suas mães a elas se juntaram.

 

Segundo o Le Monde, as acusações da segurança pública da Gironda não são novas. Em março, associações de ciclistas denunciavam « uma estigmatização exagerada dos ciclistas » após a interpelação e prisão, em uma só noite, de dez ciclistas por conduzir em estado de embriaguez.

Há duvidas quanto a legalidade da detenção das duas crianças na saída da escola por duas horas pelos policiais. Segundo especialistas, são intocáveis os garotos com idade inferior a dez, e os de 10 a 13 não podem ser objetos de medida de detenção.

 

Todavia, a título excepcional, afirmam outros especialistas, uma criança de 10 a 13 anos pode ser retida por um Oficial de Polícia Judiciária (OPJ) se existe contra ele indícios graves ou concordantes deixando presumir que ele cometeu ou tentou cometer um delito punido a menos de cinco anos de prisão. Neste caso o oficial de polícia deve possuir uma autorização judiciária por um magistrado especializado na proteção da infância e a duração da detenção não pode ultrapassar 12 horas. Excepcionalmente, um prolongamento das doze horas poderá ser concedido.

 

Afiançam, contudo que embora o legislador não fale expressamente em prisão, a presença do advogado é uma obrigação. Se o menor ou seus representantes não o designarem, a autoridade deve ser informada desde o início da retenção para que seja contratado um advogado de ofício.

 

Para as duas crianças de Floirac, este procedimento foi seguido? Um deles tem dez anos de idade, o outro tem seis. Que acontece quando uma criança de menos de dez anos comete um delito grave? Sua prisão e detenção são impossíveis, embora para François Fourment, sua retenção seja provável, sob o fundamento do poder de execução de ofício previsto no código civil francês.

 

O procedimento da abordagem policial de crianças é um verdadeiro quebra-cabeça. Há inúmeras determinações e circulares sobre o assunto. São instruções precisas relativas ao contato com menores, notadamente quando fora de controle, promovendo desordens e confusões, ou desprovidos de identificação cabendo até prisão, sendo recomendado aos policias « conservar todas as práticas profissionais irrepreensíveis em relação aos menores, quer eles sejam vítimas, testemunhas, acusados ou simplesmente controlados.  »

 

No caso atual de Floirac, apesar das declarações do diretor de departamento de segurança pública de Bordeaux a legalidade da ação dos seus funcionários não é evidente.

E mesmo que os policiais estivessem agindo corretamente, esta história é incompreensível, diz o Le Monde. Não há um momento em que é preciso jogar de lado o quepe policial e se conduzir como um homem responsável, como um pai? Bastaria convocar as crianças, os pais, admoestar os primeiros e colocar os segundos diante de suas responsabilidades…

 

Na verdade o problema da criminalidade é grave em todo o mundo. Nunca houve tanta gente no planeta como agora. E a convivência entre as pessoas passa necessariamente pelo respeito e tolerância, uns com os outros. Mas, é preciso atenção para o respeito às leis, evitando a degradação dos costumes, tão crescente em todas as latitudes.

 

Revoltada, Aïcha Ouachim, a mãe do garoto maior assim narrou o fato à imprensa: “Meu filho foi interpelado aqui, eles o fizeram descer da sua bicicleta, e o embarcaram na viatura com a bicicleta. Eles esperaram o pequeno de seis anos que vinha atrás e fizeram o mesmo procedimento”. Em agravante, acrescentou ainda: “Eu fui informada que a mãe do garoto menor estava na maternidade”. Quanto a seu filho, afirmou ser dele e não roubada, a bicicleta apreendida.  E que seu filho, por causa disso, não queria mais voltar à escola, envergonhado.

 

O tema em questão vem da França, pátria das liberdades.

 

Liberdade, porém, não significa ausência de regras, direito à livre contravenção, amparada na fragilidade dos julgamentos e no ensaio em erro para dirimir os conceitos de ordem.

A ninguém é licito prejudicar a outrem, mesmo que sejam menores roubando bicicletas. Em defesa dos policiais, Albert Doutre informou que os dois menores foram presos junto com as bicicletas que não lhes pertenciam. O menor de seis anos ‘confessara’ não ter « roubado, mas tomado emprestado a bicicleta », enquanto o mais velho negou tudo; não fez, não viu, nem sabia explicar como a bicicleta estava em seu poder. Igual ou parecido com todos, crianças ou adultos, que não se responsabilizam por seus atos.

 

A prisão gerou inúmeros protestos, do partido do governo, da oposição, dos sindicatos dos professores e do povo em geral. « Esta prisão não é aceitável e a escola deve ser um local privilegiado de viver em conjunto », afirmou o sindicato dos professores.

 

Para o Ministro da Educação, Xavier Darcos, « por um excesso de zelo ou um desvio da segurança pública, esta prisão choca profundamente o conjunto dos alunos, dos educadores e dos pais dos alunos”.

 

Saindo de Floirac e falando agora das coisas daqui, relatarei um caso que presenciei.

 

Ontem, ao retornar para casa, encontrei dois adolescentes agindo estranhamente no jardim da residência vizinha. Estavam em atitudes suspeitas tentando ver o seu interior e depois se agacharam como se estivessem a se esconder. Como a minha chegada os surpreendeu, os garotos saíram desconfiados tentando transparecer inocência.

 

Na verdade estavam defecando, foi visto depois. Coisa de criança?! Que fazer senão trancar-se em grades e cadeados?

 

Para terminar, desejo transcrever uma carta de Laércio Zanini de Garça – SP, leitor da Folha de São Paulo chocado com o recente assassinato de uma criança de seis anos por um menor.

Diz a carta: “Durante assalto ocorrido em Rio Claro (SP), um dos bandidos disparou um tiro contra a cabeça de uma criança de 8 anos, causando a sua morte cerebral. As últimas notícias informam que a polícia já identificou os criminosos, mas ainda não os prendeu. Um tem 17 anos, já tem passagem pela polícia e em janeiro havia sido preso portando um revólver. Foi solto depois. Cada vez que leio sobre crimes que envolvem menores inculpáveis pelas nossas leis absurdas, não deixo de recordar o caso daqueles dois meninos ingleses, de 11 e 12 anos, que mataram outro de 6 anos, apenas para ver como era a morte. Presos e julgados, vão ‘curtir’ a cadeia por 30 anos, e o único direito a eles facultado – se quiserem – após cumprirem a pena será ter uma nova identidade. Por que não copiamos esta lei inglesa? Melhor ainda seria copiar uma lei chinesa que, em casos como esse, provavelmente a pena seria o ritual da bala única.”.

 

O registro da carta e o tema de Floirac merecem uma apreciação cuidadosa e sensata, jamais dos excessos neles contidos.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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