Intervenção é a solução? – Parte Final

Na segunda parte dessa série de artigos com o tema “Intervenção é a Solução?”, publicada na última quarta-feira (06/02/2008), expus o receio de que a prorrogação da intervenção estadual no Município de Pirambu houvesse sido requerida com a finalidade de evitar que o Prefeito do Município, afastado temporariamente do cargo em razão da intervenção, viesse a reassumi-lo, conforme prevê a Constituição Federal.[1]

Isso porque, concluí, “se a intenção é evitar que o Prefeito afastado volte ao cargo porque existem indícios significativos”  de práticas de atos de improbidade administrativa ou de corrupção, bastaria que fossem “adotadas as medidas jurídicas adequadas para essas hipóteses”.

Pois bem, em entrevista publicada aqui mesmo no portal da Infonet, na data de 08/02/2008, a Exmª Srª Procuradora-Geral de Justiça do Estado – Chefe do Ministério Público Estadual – admitiu tal finalidade explicitamente, nos seguintes termos:


“Infonet – Por que prorrogar a intervenção?
CM – Por causa dos problemas com o prefeito Juarez Batista, que subsistem, e da confirmação dos problemas pelo interventor.
(…)
Infonet – Por que até dezembro?
CM – Esse é o pedido, porque em 1º de janeiro assume o novo prefeito.”.

 

Ora, o receio que expus na semana passada se confirmou! A prorrogação da intervenção estadual no município foi sim requerida – conforme expressado por quem a solicitou diretamente ao Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe – com a finalidade de evitar o retorno do Prefeito afastado ao cargo, uma vez finda a intervenção. Por isso mesmo que o pedido de prorrogação já foi efetuado com assinalação do seu prazo final, qual seja 31/12/2008, que é o prazo em que termina o mandato que foi dado ao Prefeito afastado pelo voto popular.

Em meu entendimento, a prorrogação da intervenção se encontra desprovida de causa jurídica (repito a pergunta efetuada no artigo anterior: qual o fundamento jurídico da prorrogação da intervenção? Qual das situações mencionadas nos incisos do Art. 35 da Constituição Federal está a ocorrer?), além do que mal disfarça um evidente desvio de finalidade do instituto de intervenção, que não é instrumento jurídico de punição de agentes públicos corruptos, ou ainda de combate à corrupção na Administração Pública.

É bem verdade que a moralidade administrativa, a probidade no exercício das tarefas da Administração Pública, a correta aplicação do dinheiro público, são todos importantíssimos valores consagrados na Constituição Federal de 1988 como expressão do princípio republicano.

Assim é que a Carta Republicana consagra diversos dispositivos voltados à proteção desses valores, por exemplo:

 

 

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

(…)

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta

 

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

 

V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

 

 

Art. 37 (…)

(…)

§ 4º – Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

 

 

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

(…)

V – a probidade na administração;

 

 

A Lei nº 8.429/92, conhecida como “Lei de Improbidade Administrativa”, por sua vez, estabelece várias espécies de condutas de agentes públicos – e também de particulares que induzam ou concorram para a prática do ato de improbidade administrativa ou dele se beneficie sob qualquer forma – consideradas como atos de improbidade administrativa [2], puníveis severamente, conforme determinação constitucional.[3] 

Assim, se o Ministério Público possui elementos sólidos de indícios ou provas de prática de atos de improbidade administrativa (conforme extensa enumeração legal acima referida) que o fazem pleitear o não retorno do Prefeito afastado ao seu cargo (e parece mesmo que tais elementos sólidos existem, resultantes de investigações promovidas pelo próprio Ministério Público como também de auditorias realizadas pela equipe que executou a intervenção), o caso então é de promover a competente ação judicial de improbidade administrativa, na qual é cabível, inclusive, o pedido de afastamento provisório do agente público do exercício da função, caso esse afastamento seja necessário para o melhor andamento do processo.[4] Aliás, as informações divulgadas na imprensa dão conta de que várias dessas ações judiciais por ato de improbidade administrativa já foram propostas pelo Ministério Público em face não só do Prefeito do Município, mas também em face de diversos outros agentes públicos que teriam praticado condutas ímprobas no seio da Administração Pública.

Além disso, os atos do Prefeito do Município de Pirambu, conforme resultado das investigações promovidas, podem também caracterizar, em tese, condutas definidas em lei como crimes. O Código Penal, a propósito, prevê todo um capítulo a cuidar dos chamados “Crimes Contra a Administração Pública” (a exemplos dos crimes de peculato, corrupção passiva, prevaricação, emprego irregular de verbas públicas), apenados com prisão e multa. O Ministério Público também pode, portanto, propor as adequadas ações penais em face do Prefeito e dos demais envolvidos nas práticas delituosas, a serem julgadas pelo Poder Judiciário.

Convém registrar ainda que, em sendo verdadeiras as acusações efetuadas, a conduta do Prefeito pode caracterizar “infração político-administrativa”[5], punível com a cassação do mandato em julgamento efetuado pela Câmara de Vereadores.

Em suma: existem várias medidas jurídicas que podem e devem ser adotadas para promover a responsabilização e punição severa de agentes públicos envolvidos em práticas criminosas, ilícitas e de improbidade administrativa. São elas que devem ser adotadas se a finalidade é o combate à corrupção e à malversação dos recursos públicos, e não a intervenção, instituto jurídico destinado a ser aplicado em hipóteses excepcionais e enumeradas expressamente no texto constitucional (Art. 35 da Constituição Federal, no caso de intervenção nos municípios) para finalidades diversas, conforme explicitado na primeira e na segunda parte desta série.



[1] Art. 36, § 4º: “Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal”

[2] Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

        I – receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

        II – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;

        III – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;

        IV – utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

        V – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;

        VI – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

        VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;

        VIII – aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;

        IX – perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;

        X – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;

        XI – incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;

        XII – usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.

 

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

        I – facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

        II – permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

        III – doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;

        IV – permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;

        V – permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;

        VI – realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

        VII – conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

        VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;

        IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

        X – agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

        XI – liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

        XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

        XIII – permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.

        XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei; (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)

        XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei. (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)

 

 

[3] Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

        I – na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

        II – na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

        III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

 

[4] Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

    Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.

 

[5] Cite-se, por exemplo, omissão ou negligência na defesa de bens, rendas, direitos ou interesses do Município sujeitos à Administração da Prefeitura (Art. 4º, VIII do Decreto-Lei nº 201/67) ou proceder de modo incompatível com a dignidade ou decoro do cargo (Art. 4º, X do mesmo Decreto-Lei).

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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