Na semana passada, abordamos o instituto jurídico-político da intervenção. Demonstramos que, tal como normatizada no sistema jurídico-constitucional brasileiro, a intervenção se apresenta como mecanismo destinado a ser aplicado em situações excepcionais, taxativamente admitidas no texto constitucional. Isso porque a intervenção – a significar o afastamento temporário da autonomia do ente federativo que, por conta disso, suporta a incursão da entidade interventora em seus negócios – abala um dos princípios fundamentais da nossa organização política, que é o princípio federativo. Portanto, sempre na perspectiva da excepcionalidade, a intervenção é mecanismo constitucional que se destina à resolução de graves problemas – assim especificamente considerados pela Constituição – que afetam outros valores constitucionais tão fundamentais quanto o do federalismo (que tem na autonomia dos seus entes integrantes uma de suas principais características). Nesse sentido foi que o Supremo Tribunal Federal – já em 24 de setembro de 1990 – considerou inconstitucionais dois dispositivos da Constituição do Estado de Sergipe, que incluiu em seu texto novas hipóteses de intervenção do Estado em seus municípios[1], para além das hipóteses de intervenção nos municípios previstas no Art. 35 da Constituição Federal. Eis os termos do voto do Relator, o então Ministro Célio Borja: No regime federativo, a intervenção da União nos Estados e, destes, nos respectivos municípios, é providência excepcional que deve ser considerada restritivamente. Sobre o ponto suscitado, afirma José Afonso da Silva: “Não resta mais nada às Constituições Estaduais nesta matéria, ao contrário do que acontecia sob a égide da Constituição precedente” (Curso de Direito Constitucional Positivo, 5ª edição, 1989, Ed. RT, pág. 422). (…) Se é verdade que a intervenção efetiva-se por Decreto do Governador, autoridade que hoje pede a suspensão cautelar da norma, a dinâmica dos fatos políticos pode direcionar mudanças rápidas que encontrem a presente ação direta ainda em curso; aliás, demonstram-se por si, o ônus, os riscos e os prejuízos decorrentes da intervenção indevida de um ente da federação em outro. (ADI-MC 336, Rel. Min. Célio Borja). De tudo se conclui que a intervenção do Estado no Município não é instrumento jurídico de punição de agentes públicos corruptos, ou ainda de combate à corrupção na Administração Pública. A intervenção estadual no município somente deve operar na ocorrência das estritas hipóteses previstas no Art. 35 da Constituição Federal[2], e de modo a corrigir as situações ali descritas. Solucionado o problema que gerou a intervenção, ela deve cessar. Do contrário, estaremos diante de intervenção sem causa justificadora, em flagrante prejuízo da autonomia do ente federativo que esteja sofrendo a intervenção juridicamente injustificada. Nessa diretriz, causa surpresa a notícia de que o Ministério Público do Estado de Sergipe, através da Procuradora-Geral de Justiça, teria pedido ao Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe a prorrogação da intervenção estadual no município de Pirambu. É que, conforme recentes declarações do interventor à imprensa local, o trabalho desenvolvido pela equipe interventora – sob o seu comando – conseguiu, no prazo de seis meses assinalado no decreto estadual do Governador que formalizou a intervenção, restabelecer a normalidade administrativa da Administração Pública Municipal, com a correção de distorções graves na folha de pagamentos de servidores e de prestadores de serviços, retomada de pagamento de débitos e reprogramação financeira e orçamentária municipal, além de ter regularizado a prestação cotidiana dos serviços públicos disponibilizados à população. Tudo a demonstrar que a intervenção estadual teria se realizado com êxito. Mas se é assim, qual o fundamento jurídico da prorrogação da intervenção? Qual das situações mencionadas nos incisos do Art. 35 da Constituição Federal está a ocorrer? Receio que a prorrogação da intervenção tenha sido requerida com a finalidade de evitar que o Prefeito do Município de Pirambu, afastado temporariamente do cargo em razão da intervenção, venha a reassumi-lo, conforme prevê a Constituição Federal (Art. 36, § 4º: “Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal”). Se a intenção foi essa mesmo, é plenamente compreensível diante do que o próprio Prefeito afastado declarou à imprensa e que causou tanta indignação à opinião pública. Todavia, os institutos jurídicos não devem ser utilizados com finalidades diversas daquelas para as quais servem. Se o problema é de improbidade administrativa, corrupção, crime contra a Administração Pública, a ordem jurídica brasileira é bem rica de instrumentos destinados a essas específicas finalidades. É dizer: se a intenção é evitar que o Prefeito afastado volte ao cargo porque existem indícios significativos de tais práticas, basta que sejam adotadas as medidas jurídicas adequadas para essas hipóteses. [1] No seu Art. [2] I – deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada; II – não forem prestadas contas devidas, na forma da lei; III – não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde; IV – o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.
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