Intervenção Federal no Distrito Federal? – Parte II

Embora a representação formulada pelo Procurador-Geral da República com vistas à intervenção federal no Distrito Federal (IF n° 5179) esteja bem fundamentada, com argumentação consistente em defesa da tese de que todo o quadro político atual do Distrito Federal aponta para a violação dos princípios republicano e democrático – o que é, em tese, hipótese que a Constituição contempla, excepcionalmente, como caso de intervenção federal (Art. 34, inciso VII, alínea “a”) – o fato é que inúmeras são as dificuldades jurídicas e institucionais para que tal intervenção venha de fato a ocorrer.

 

Aponte-se, inicialmente, o próprio vetor hermenêutico da excepcionalidade do instituto da intervenção, como foi comentado aqui na coluna da semana passada. A tendência do STF, no julgamento da matéria, é a seguinte: há como se interpretar que não é caso de intervenção? Se há, então que seja julgado improcedente o pedido, preservando-se a autonomia constitucionalmente concedida ao Distrito Federal.

 

Diversos juristas já expuseram esse ponto de vista, segundo o qual não está configurada uma situação de violação dos princípios republicano e democrático. Confira o posicionamento do ex-Ministro da Suprema Corte, CARLOS VELLOSO:

 

Ora, é fácil perceber que não estaria ocorrendo, no Distrito Federal, desrespeito à forma republicana de governo. A Assembleia e o Executivo não editaram lei que estivesse, por exemplo, adotando princípios da forma monárquica de governo, violador do voto direto, universal e periódico ou ofensivo ao princípio da separação dos Poderes.
O certo é que os Poderes locais funcionam regularmente. O governador foi afastado do cargo por ordem do Judiciário. A sucessão constitucional ocorreu normalmente. Forma republicana de governo, sistema representativo e regime democrático estão sendo praticados regularmente. As acusações contra os agentes políticos estão sendo apuradas tanto pelo órgão político quanto pelo Judiciário.

Pretender a intervenção tão só porque há acusações contra agentes políticos é ir longe demais, é buscar precedente perigoso para o regime democrático e danoso ao sistema federativo.(grifou-se)[1]

 

Não foi diferente a manifestação do Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA, conforme relatado em matéria no jornal Folha de São Paulo:

 

O constitucionalista e professor aposentado da USP José Afonso da Silva diz não haver fundamento jurídico para decretar intervenção no DF. Para ele, os fatos não indicam que a forma republicana esteja sendo desrespeitada. Segundo o professor, isso só ocorreria se, por exemplo, fosse implantado regime monárquico ou ditatorial.(grifou-se)[2]

 

Além desse vetor hermenêutico da excepcionalidade da intervenção, há de se levar em conta que o STF, ao longo dos mais de vinte e um anos de vigência da Constituição de 1988, tem sido muito rigoroso na apreciação de pedidos de intervenção federal. Tanto é assim que nenhum pedido de intervenção federal foi julgado procedente pela Suprema Corte, e isso mesmo quando, num exame inicial, parecia mesmo ser caso excepcional previsto na Constituição como autorizador da decretação da intervenção.

 

Se em outros temas o STF tem sido muito pouco prestigiador do princípio federativo (ao interpretar diversas normas da Constituição em favor da União e com restrição à autonomia dos entes regionais), no tema de intervenção o STF tem sido excessivamente garantidor dessa mesma autonomia.[3]

 

O prognóstico inicial, portanto, com base nesses precedentes acima apresentados, é o de que o STF rejeite a representação para intervenção no Distrito Federal. É possível, todavia, que em face de todo o contexto social e político atual, o STF reveja a sua tradicional postura sobre o assunto.

 

Voltaremos ao tema quando o julgamento for concluído.

 

 

Política de Cotas da UFS e Ações Afirmativas da Igualdade

 

Em comentário postado na semana passado, a leitora Lucia disse que gostaria de ler, aqui neste espaço, uma análise acerca do sistema de cotas implantado pela Universidade Federal de Sergipe, à luz do Direito Constitucional.

 

Pois bem, não conheço com detalhes a política de cotas da UFS, que começou a ser aplicada no vestibular deste ano de 2010.

 

Contudo, o tema das cotas, no contexto maior das políticas de ações afirmativas, já foi examinado aqui nesta coluna em diversas oportunidades, sempre à luz do Direito Constitucional. Confira-se:

 

“Consciência Negra e Ações Afirmativas” – coluna de 21/11/2007:

https://.infonet.com.br/mauriciomonteiro/ler.asp?id=67710&titulo=mauriciomonteiro

 

“Cotas raciais e ações afirmativas: um debate necessário” – coluna de 21/05/2008:

https://.infonet.com.br/mauriciomonteiro/ler.asp?id=73354&titulo=mauriciomonteiro

 

– “Discriminação Racial e Inclusão Social dos Negros” – coluna de 01/12/2009:

https://.infonet.com.br/mauriciomonteiro/ler.asp?id=92474&titulo=mauriciomonteiro



[1] Assinantes da Folha de São Paulo ou do UOL podem conferir o artigo na íntegra no seguinte link:

https://1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0603201008.htm

 

[2] Assinantes da Folha de São Paulo ou do UOL podem conferir a matéria na íntegra no seguinte link:

https://1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1902201010.htm

 

[3] É o caso do não pagamento dos precatórios no prazo constitucional e legal. Trata-se de descumprimento de ordem judicial. Hipótese de intervenção federal (Art. 34, inciso VI, segunda parte, da CF). Contudo, o STF entende que não: “Precatórios judiciais. Não configuração de atuação dolosa e deliberada do Estado de São Paulo com finalidade de não pagamento. Estado sujeito a quadro de múltiplas obrigações de idêntica hierarquia. Necessidade de garantir eficácia a outras normas constitucionais, como, por exemplo, a continuidade de prestação de serviços públicos. A intervenção, como medida extrema, deve atender à máxima da proporcionalidade. Adoção da chamada relação de precedência condicionada entre princípios constitucionais concorrentes.” (IF 298, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3-2-03, Plenário, DJ de 27-2-04)

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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