Tenho muita preguiça das pessoas que têm muitas certezas na vida, porque a certeza planifica tudo, mata as possibilidades do imponderável da vida. Não ter uma resposta líquida e certa é admitir a possibilidade de outras respostas – e continuar em busca delas. (Mas eu digo isso só para justificar todas as minhas persistentes dúvidas sobre a vida e o mundo.)
Tenho ultimamente pensado muito sobre a utilidade das coisas e dos atos, sobre os graus de utilidade, se, por exemplo, há gestos mais úteis que outros nessa vida e como hierarquizá-los. Para além das respostas prontas e fáceis, me pergunto, por exemplo, qual a utilidade de trabalharmos 40, 50 ou 60 horas por semana, se há sol lá fora, se é verão, se as crianças precisam de companhia para brincar, e há jardins que precisam ser cuidados e admirados. Ou mesmo se chove e é preciso que se escute a chuva tamborilando no telhado. Qual a utilidade da chuva tamborilando no telhado?
E quão útil pode ser uma coleção de sapatos, de bolsas, de roupas, de vinis, de livros? Quão útil podem ser todas as caixas repletas de coisas na hora crucial da mudança (de casa ou de vida)? Porque penso que uma coisa anula a outra: se há utilidade em trabalhar 60 horas semanais, há uma imensa inutilidade em tantos livros e sapatos que não serão utilizados. E então, qual a utilidade das coisas que acumulamos vida afora: móveis, roupas, livros, músicas, quinquilharias, histórias, dinheiro, um baú e uma cadeira rasgada, uma casa com muitas coisas dentro, carro e viagens? Se tudo se desfaz ou se esquece em algum momento, qual a utilidade?
Qual a utilidade do tempo? Trabalho, apenas? Tempo é dinheiro? Qual a utilidade de uma hora na fila de um banco ou uma hora caçando pipas imaginárias com uma criança ou uma hora trabalhando no corte de cana ou uma hora de olhar a tarde existir? Qual a hierarquia dessas utilidades? Quem define as hierarquias? De que estranho ninho elas brotam?
E quem define o que é lixo e o que merece ser preservado? Quando um resto é apenas resto e quando se torna um vestígio? Tubos de papelão me parecem divertidíssimas espadas jedis, por exemplo, mas eu não saberia como lidar com um closet cheio de roupas. Quando uma memória já está suficientemente gasta para ser descartada e quando ela deve permanecer preservada?
Qual a utilidade de lutar por causas perdidas? Quixote contra os moinhos. É inútil morrer defendendo aquilo em que se acredita? E se se acredita no que está na contramão da Força, é inútil? Qual a utilidade de ter uma causa? Ou várias? É inútil continuar tentando? É útil desistir? E quando chega o fim do dia, da vida, e estamos cansados e ainda há tanto a fazer: quão útil foi a luta? Seria mais útil ter aproveitado o dia de sol na praia?
Não, não são perguntas retóricas, nem eu tenho respostas para nenhuma delas. Nunca tenho respostas, porque cultivo perguntas. As perguntas me mantêm alerta diante das coisas que realizo. As certezas ligam o botão automático da vida. Mas, no fim, resta saber se se manter alerta tem alguma utilidade.