Japão: humildade, dignidade, perseverança e eficiência

O judô é uma arte marcial japonesa que tem como regras básicas a disciplina, o respeito, a educação, o desenvolvimento da força física e técnica. Os principais valores que o judoca aprende nos seus treinamentos, a humildade e a perseverança, devem ser praticados nos atos do dia-a-dia. Acrescentem-se outros dois substantivos femininos, a dignidade e a eficiência, e talvez tenhamos definido o que é o povo japonês. Povo que nos acostumamos a olhar com certa condescendência após o covarde ataque atômico de agosto de 1945 e que revemos agora após outra tragédia, ou tragédias, provocadas por um abalo sísmico, um maremoto e um acidente nuclear.

É provável que essa personalidade moldada pelas dificuldades e pela geografia explique o que faz um homem prestes a se aposentar em seis meses apresentar-se para trabalhar como voluntário na usina atômica de Fukushima, que foi gravemente danificada após a catástrofe natural e está contaminando o ambiente com índices altamente perigosos de radiação. Especialistas antevêem o aumento alarmante da incidência de câncer nos próximos 10 anos na região. E o que reserva o destino para aqueles trabalhando diuturnamente para fazer voltar a funcionar o sistema de resfriamento da usina?

Enquanto a bravura dos 180 trabalhadores que se esforçam para diminuir a temperatura e a radiação da usina comove o mundo, familiares dos 50 de Fukushima – como o grupo é conhecido, já que se revezam em turno de 50 homens – vão revelando histórias de quem teme pelo pior. Uma jovem postou no Twitter: “Nunca vi minha mãe chorar tanto. Os trabalhadores estão lutando, se sacrificando para proteger todos. Por favor, papai, volte vivo pra casa”. Outra sentenciou: “Meu pai ainda está trabalhando na usina. Eles estão praticamente sem comida. As condições de trabalho são duras. Ele diz que aceita seu destino como uma pena de morte”. E de lá de dentro um trabalhador conseguiu enviar um e-mail para a mulher: “Por favor, siga vivendo bem. Não poderei voltar pra casa tão cedo”.

Outras cenas dramáticas impressionam até pela civilizada beleza. Muitos têm comentado: não há saques, apesar da escassez de água e víveres. E ninguém aumentou os preços desses bens tão escassos quanto necessários. Numa escola de Sendai, a cidade mais atingida, uma educada fila de pessoas em busca de água era orientada apenas por marcas de giz traçadas no chão. Ninguém furava a fila. Os apagões previstos foram momentaneamente descartados porque os que permaneceram em suas casas decidiram espontaneamente poupar energia.

País onde a terra treme todo dia, segundo se diz, com alto índice de educação e desenvolvimento social e tecnológico, é claro que a população japonesa está entre as mais bem treinadas e mais bem informadas sobre a eventualidade de fenômenos naturais. E depois do grande terremoto de Kobe, em 1995, matando mais de 6 mil pessoas, a prevenção avançou e os currículos escolares passaram a incluir informações e treinamento sobre como lidar com situações como a que aconteceu no dia 11.

O Japão sofre de uma infeliz coincidência geológica. Situado na convergência de três placas tectônicas, é um país arquipélago de 378 mil quilômetros quadrados, formado por quase 7 mil ilhas montanhosas e com muitos vulcões, 80 deles ativos. As quatro grandes ilhas são interligadas através de pontes e túneis. A menor das grandes ilhas tem quase o tamanho de Sergipe, embora todo o Japão possua uma área bem inferior à do estado da Bahia (567 mil quilômetros quadrados), nos lembra o jornalista Jozailto Lima.

Com 127 milhões de habitantes, possui uma das mais altas densidades demográficas do mundo, de 335 habitantes por quilômetro quadrado. A Região Metropolitana de Tóquio é a maior área metropolitana de todo o planeta, com mais de 30 milhões de habitantes. O Japão possui um padrão de vida muito alto – renda per capita de 32 mil dólares, ante 10 mil dólares do PIB per capita brasileiro – e a maior expectativa de vida – mais de 84 anos para as mulheres e quase 78 para os homens.

Com poucas terras agricultáveis (apenas 15% são próprias para o cultivo), para superar a pouca área propícia à pecuária e à agricultura os japoneses desenvolveram técnicas agrícolas avançadas, como o cultivo hidropônico, onde o uso da terra é dispensável. É auto-suficiente em arroz, mas precisa importar 50% dos grãos consumidos e quase todo o suprimento de carne. Mas, com um litoral quatro vezes maior que o brasileiro, é o segundo maior produtor de pescado do mundo, depois da China, e tem uma das maiores frotas de pesqueiros, que responde por quase 15% da pesca mundial. Como nem tudo é perfeito, é o maior consumidor de carne de baleia do mundo. Embora o seu consumo tenha caído acentuadamente nos últimos anos, em 2009 ainda foi superior a 4.200 toneladas – em 1962 chegou a ser de 230.000 toneladas.

Mas o forte deles mesmo é a indústria, com destaque para a automobilística, a eletroeletrônica, a indústria naval, siderúrgica, metalúrgica e química. Os esforços das indústrias e do governo, uma forte ética no trabalho, o completo domínio da tecnologia e os gastos com defesa proporcionalmente pequenos (cerca de 1% do PIB) foram alguns dos fatores que ajudaram o Japão a se tornar a segunda maior economia do planeta, recentemente superado pela China.

Possui grupos empresariais multinacionais importantes, como Sony, Sumitomo, Mitsubishi e Toyota, que têm, inclusive, grandes bancos, grupos de investimento e de serviços financeiros. Algumas das mais importantes contribuições tecnológicas do Japão são encontrados nos campos da eletrônica, maquinaria, robótica industrial, óptica, química e semicondutores. O Japão é líder no mundo dos robôs industriais, sendo que mais da metade dos robôs existentes no mundo são usados nas suas indústrias. Um quarto da eletricidade do país é produzida a partir da energia nuclear, que depende de países estrangeiros em 80% para o seu suprimento de petróleo.

Mas um país que saiu destroçado da guerra e em poucas décadas tornou-se a segunda maior economia do planeta não chega a esse resultado por obra e graça do acaso. A alfabetização no Japão é anterior à introdução da escrita chinesa, no século VI. A educação, inicialmente restrita à classe dos samurais, se expandiu cedo. Estima-se que, em 1868, época da Restauração Meiji, 40% da população japonesa fosse alfabetizada. A divisão em escolas primárias, secundárias e universidades foi introduzida no Japão em 1871. Hoje, 76% dos japoneses que concluem o ensino secundário cursam a universidade. Líder mundial no domínio da pesquisa científica fundamental, o Japão produziu 13 prêmios Nobel, principalmente em física, química e medicina.

A Era Meiji foi quando o imperador abriu a nação para o mundo ocidental, promovendo grande transformação política e social no Japão. Influenciado por esse período de renascença, um mestre chamado Jigoro Kano renovou a arte da defesa e ataque pessoais criando o judô a partir do violento jiu-jitsu. O mestre inspirou-se em três princípios: da máxima eficiência com o mínimo de esforço, da prosperidade e benefícios mútuos e da suavidade. São, afinal, os princípios que definem a personalidade do povo japonês. Ou seja, humildade, dignidade, perseverança e eficiênc ia. O mundo não se surpreenda quando vier por aí mais uma história de superação da Terra do Sol Nascente.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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