Uma cerimônia antiga, de coroação de reis negros, manteve-se viva em Japaratuba, adornando a festa de Santos Reis, mesclada de louvação a São Benedito. Na frente da Igreja Matriz, depois da missa, o padre e as autoridades põem toscas coroas na cabeça de negros e negras do Cacumbi, do Maracatu, devolvendo, simbolicamente, a autoridade dos africanos, arrancados a ferro de suas terras, para o cativeiro distante, do outro lado do mar. Um cortejo se forma, depois que os grupos folclóricos fazem apresentações em louvor dos reis e rainhas, e toma as ruas da cidade, atraindo à porta de casa, parte da população japaratubense. A guerra das cabacinhas, reminiscência do velho carnaval (os limões de cheiro do entrudo), atesta a antiguidade da celebração, sedimentando uma identidade que tem caminhado ao lado da história, esta construída desde as cartas de sesmarias, margeando o rio que dá nome ao lugar. Dos Boimés, índios aldeados na Missão de Japaratuba, nada parece ter sobrado, salvo, talvez, um ou outro toque, um ou outro passo, acomodados nos guardados do povo. Japaratuba ouve, no entanto, o som das suas cercanias: o Reisado de Sabau, no Marimbondo, e o Ilariô, ambos de Pirambu, o Samba de Aboio e os Bacamarteiros, de Aguada, Carmópolis, o Guerreiro de Zé de Jove, no São José, que com certeza cantarão mais triste, depois da morte de Dona. Japaratuba com seus estandartes, desfilando nas ruas aladeiradas, revive todos os anos um acervo de lembranças, com o qual fortalece as comunidades em seus laços mais profundos, e rende ao seu passado as homenagens que a fé na padroeira – Nossa Senhora da Saúde – alimenta, como um vínculo permanente. Japaratuba que serviu de berço a uma linhagem branca de senhores de engenho e fazendeiros de gado, também foi útero de Artur Bispo do Rosário, com seus mantos e estandartes escritos com as tintas do melhor sentimento, mesmo quando sua obra artística, exposta nas ruas, mais parecia um desajuste pessoal, de um fora da linha. É Japaratuba, desde a sua origem e até o século XIX, que Eduardo Carvalho Cabral investiga, em documentos da história, e em mais fontes, para registrar e fixar informações essenciais e esclarecedoras, no fio do tempo, e na vigência dos fatos. Um livro, enfim, que amadureceu na admiração do autor pelo objeto estudado, na procura permanente de pistas, na interpretação segura, na fidelidade às responsabilidades que tomou para si, como um gesto de amor, mas também como um trabalho sério, amplo e profundo, capaz de ser uma fonte de múltiplas referências. Com o livro de Eduardo Carvalho Cabral – Japaratuba, da origem ao século XIX (Aracaju: Gráfica Triunfo, 2007) Japaratuba passa a ter um marco da sua história, ao qual se poderá recorrer sempre, em busca de uma cronologia afortunada, repleta de episódios, protagonizados por gente de todas as condições. Vista desde as suas remotas origens, varando o tempo e conquistando o século do Império, da organização da vida política, da instrução de todos os graus, das artes e especialmente da literatura, Japaratuba é um ícone, uma experiência, um êxito, em todo o recorte que o autor utiliza em sua pesquisa e em seu escrito. Foram anos de intenso trabalho e principalmente de dedicação de Eduardo Carvalho Cabral ao seu projeto de escrever uma história de Japaratuba. Valeu o esforço, realçou-se a competência, concluiu-se uma etapa. Agora é com os leitores, pesquisadores, interessados no conhecimento de Sergipe, palmilhado através de sua geografia, evocado pelas suas tradições, compreendido pela vida renovada em direção ao futuro.
Japaratuba tem uma história de riqueza açucareira conotada, de um lado, pela presença de proprietários enobrecidos pelo Império, e, do outro lado, pela quantidade de negros e de escravos que suplantava, por quase todo o século XIX, a população branca e livre. Em torno dos engenhos e das fazendas de gado, os negros escravos cumpriam uma vasta lúdica, apoiados pela devoção mantida pelas igrejas e capelas. Cultos, festas, se transformavam em cenários, nos quais os grupos folclóricos, com suas tradições, coloriam as ruas e os terreiros das senzalas, com seus batuques, cantos e danças que afirmavam a forte presença africana.
O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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