João Mulungu vai às escolas

Apesar de ser mês de Copa do Mundo, vale lembrar que amanhã é o Dia da Consciência Negra, uma data de extrema importância e que marca a luta do povo preto no Brasil. Portanto, quero retomar uma das entrevistas mais interessantes e marcantes que fiz em minha vida, com o grande José Severo dos Santos, nosso Severo D’Acelino, ator, pesquisador e fundador não só do primeiro Movimento Negro contemporâneo em Sergipe, em 1968, como de projetos importantes como a Casa de Cultura Afro Sergipana e o Projeto Cultural de Educação ‘João Mulungu vai às Escolas’, onde difundiu nas escolas a importância do negro na formação da cultura sergipana e que tive o prazer em pesquisar para a conclusão de uma pós em educação e cultura afro-brasileira.

Nascido em Aracaju em 1947, Severo é filho de Acelino Severo dos Santos e Odília Eliza da Conceição, e me contou há mais de dez anos, que o projeto  ‘João Mulungu vai às escolas’ foi baseado no projeto implementado pelo ex-governador de São Paulo, Franco Montoro, pouco antes do falecimento de Tancredo Neves: ‘Zumbi vai às escolas’, criado para atender a uma solicitação dos conselhos das comunidades que necessitavam de ações afirmativas de combate ao racismo. Apesar da importância da criação do projeto, Severo relatou que o Governo de São Paulo desenvolveu este trabalho porque era um período de eleição e estava em voga a criação de ministério para as minorias, como o ministério do negro, ministério da mulher etc.

Partindo dessa inspiração, o projeto cultural de educação foi o mais barato que o Sergipe já teve em toda a sua história. Severo D’Acelino utilizava-se somente de textos e de sua voz para ministrar palestras nas comunidades dos municípios. O projeto teve a sua entrada oficial no segundo mandato do governo de Albano Franco (1999), Severo titubeou por ter sido convidado numa época de campanha eleitoral, e em princípio recusou a proposta até que acabasse o período das eleições para governador.  Após o término do período eleitoral, Severo se propôs a dar um curso para a comunidade e professores, de resgate da cultura negra no local. O curso era preparatório para os professores, com o intuito de dar prosseguimento ao curso para outras pessoas, para a comunidade. Segundo D’Acelino, foi o primeiro curso de capacitação para professores sobre a cultura negra sergipana.

O trabalho de Severo resultou em diversos relatórios com informações até então nunca registradas dos municípios sergipanos, como índices da cultura negra e indígenas, descoberta e mapeamento de manifestações de cultura popular, entre outros pontos registrados e discutidos nas inúmeras páginas dos relatórios feitos ao longo do projeto. Para ele, ‘João Mulungu vai às escolas’ é um projeto de ação afirmativa,  e o intuito era o de fazer com que as pessoas enxergassem a sua cultura, que os sergipanos aprendessem a valorizar e preservar a sua história, mostrar a cultura negra como indicador da educação. Durante quatro anos, Severo D’Acelino percorreu por mais de uma vez, os 75 municípios sergipanos,  objetivando resgatar as raízes de um povo que não conhece a fundo a sua própria história. Porém, o projeto enfrentou problemas de continuidade ao entrar no período eleitoral. Por conta e interesses políticos, o projeto está engavetado até hoje e sem previsão de volta. Para Severo, o projeto ‘João Mulungu vai às escolas’ deveria ser reciclado, e reaproveitado independente dos interesses políticos.

Em sua última edição, ‘João Mulungu vai às escolas’ atingiu 48.789 mil participantes em 16 municípios do sul sergipano. Para Severo, “Lutar contra as adversidades é uma tarefa de inteligência e precisa de múltiplas estratégias para sobreviver e passar por cima das retaliações e dos ciúmes pessoais e coletivos.”. Ele finalizou a entrevista afirmando que ainda há muito que se fazer para erradicar o racismo no Estado, que o projeto não era a única medida a ser tomada, mas que ajudava a despertar um outro olhar da população para as suas raízes, uma vez que cerca de 80% da população de Sergipe é negra. Por fim, vale destacar que a luta antirracista e a valorização da consciência negra deve ser pensada a partir dos processos educativos, desde a escola até o ambiente familiar, em que relações importantes se perpetuam. Severo enfatizou que para combater o racismo é necessário que a história do povo preto em Sergipe seja conhecida, apresentada e preservada, só assim poderemos avançar neste combate.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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