JOÃO SIMÕES E NESTOR PIVA

Nestor Piva em companhia do médico Lúcio Prado Dias
Morreram, na semana passada, João Simões dos Reis e Nestor Piva, dois nomes que deram a Sergipe uma contribuição de alta relevância, como profissionais da saúde, e como agentes da mobilização intelectual em favor da Universidade Federal de Sergipe. O primeiro era nascido em Aracaju, filho de Eunápio Simões dos Reis, irmão de Cícero Simões dos Reis e sobrinho do bibliófilo e editor Antonio Simões dos Reis, um dos grandes sergipanos com residência no Rio de Janeiro, onde editava a Revista Euclides, ensinava sobre editoração de livros e dirigia a Organização Simões, Editora. O segundo era baiano de nascimento, mas vivia em Sergipe desde o final dos anos de 1950, incorporando-se ao Hospital das Clínicas Dr. Augusto Leite e aos serviços de patologia, que era da sua especialidade.

João Simões dos Reis era cirurgião dentista, atendia a clientela mais abastada de Sergipe. Era o dentista das autoridades, dos ricos, cobrava caro por seus serviços, mas levava a vantagem de estar atualizado com técnicas e tecnologias levadas aos congressos, nacionais e internacionais e não deixava de atender os amigos, ainda que eles não pudessem pagar. Seu consultório da rua Itabaianinha, entre São Cristovão e Geru, não era de bom aspecto arquitetônico, não era bonito, não tinha luxo, mas desde as primeiras horas da manhã assistia ao desfile de figuras importantes, que iam em busca dos pivôs de ouro e das restaurações com material de primeira qualidade.

A causa da vida de João Simões dos Reis foi a criação de uma Faculdade de Odontologia. Criou uma sociedade, investiu em imóvel, agregou parcerias, mas foi vencido pela maioria da área médica que preferia que a odontologia fosse um curso, dentro da Faculdade de Medicina, a uma escola autônoma. Uma luta de muitos anos, uma frustração e um certo isolamento, como forma de recusar a derrota.

Homem ilustrado, curioso com as coisas de Sergipe, resolveu, já setentão, fazer o curso de jornalismo na UNIT, vibrando na noite da formatura, com sua alva e grande cabeleira branca. Parecia mais feliz do que parte da sua turma de jovens. Claro que ele não pretendia exercer o cotidiano do jornal, onde seus parentes Paulo Costa e Luiz Eduardo Costa sempre deram o bom espetáculo do texto, para leitores que se transformaram em admiradores. Ele teve, na sua própria casa, um homem de comunicação – João Simões dos Reis Filho – que manteve em Aracaju, na década de 1960, uma coluna no jornal e um programa de rádio, ambos sobre cinema. Simões Filho era parte da geração de José Carlos Monteiro e Ivan Valença, especialistas na sétima arte, também jornalistas, também apresentadores de programas de rádio.

Nestor Piva se tornou em Sergipe um profissional da melhor qualidade, na área difícil da patologia, exercendo longamente a profissão, em vários lugares, e por último no seu laboratório do Hospital São Lucas. Seu nome está ligado à história recente da medicina em Sergipe, à melhoria dos diagnósticos, e ao ensino médico. Como professor ele deu uma enorme e consciente colaboração ao processo de organização da Universidade Federal de Sergipe e foi, nos Conselhos da instituição, uma voz competente, lúcida, firme, corajosa nos encaminhamentos e nas discussões dos assuntos mais importantes, substantivos. Com um discurso conotado pela autonomia de pensamento, Nestor Piva não temeu as discordâncias e nem os patrulhamentos, tão freqüentes nos anos da década de 1970, quando estava instalada na UFS uma Assessoria de Segurança e Informação, a serviço dos órgãos nacionais de segurança. Os pronunciamentos e apartes de Nestor Piva, nos debates do Conselho Universitário, testemunham seus posicionamentos.

Em 1970, durante o Governo tampão de João de Andrade Garcez, Nestor Piva foi o secretário de Estado da Educação e da Cultura. Fez uma revolução, formando um grupo de professores, destacando-se Giselda Morais na educação e Beatriz Góes Dantas na cultura, com o qual implantou ações inovadoras, abrindo caminho para uma atuação ampla do Governo no setor. O curto tempo não sedimentou providências que garantisse continuidade, nem permitiu uma avaliação definitiva do que foi feito. Na parte da cultura é bom lembrar a edição do livro de Jackson da Silva Lima – História da Literatura Sergipana – volume I, a implantação do Departamento de Cultura e Patrimônio Histórico e a reorganização do Arquivo Público do Estado de Sergipe.

João Simões dos Reis e Nestor Piva entraram na política. O primeiro, no MDB/PMDB, o segundo no PT, o que faz aproximação dos dois, pelo viés da oposição que abraçaram, de acordo com as circunstâncias do tempo. João Simões dos Reis foi candidato a deputado federal, enquanto Nestor Piva deveria ter sido o candidato a prefeito em 1985, mas terminou dando oportunidade a que Marcelo Déda fosse o candidato e fizesse nome para obter, no ano seguinte, mais de 32 mil votos para deputado estadual. Na verdade, tanto João Simões, quanto Piva eram dotados das qualidades da indignação, reagiam a mediocridade dominante, mas não tinham as “qualidades” para o processo eleitoral, tal qual se conhece em Sergipe.

Importa dizer, sob o impacto da tristeza e da saudade, que os dois mortos foram figuras singulares no convívio da sociedade sergipana e deixaram um legado de coragem, disposição para a luta, exemplos sinceros de homens de ciência, de cultura, e de política, na melhor acepção do vocábulo. Homens predestinados, com seus sonhos e decepções, suas crenças e consciência ideológica, construindo alternativas para vencerem a resistência da mesmice, como a mostrarem que há jeito para o contencioso acumulado de insatisfações.

João Simões dos Reis e Nestor Piva, aparentemente distintos em seus labores de muitos anos, terminaram juntos na morte do mesmo dia aziago para Sergipe e para os sergipanos.

Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”. Contatos, dúvidas ou sugestões de temas: institutotobiasbarreto@infonet.com.br.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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