Conta-se que certo dia o presidente Jair Bolsonaro advertiu o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, sobre sua intromissão em assuntos políticos: “O senhor entende de estratégia militar, de política entendo eu”. Imagine!
Que Bolsonaro não entende de política é uma constatação óbvia, mas vê-se nessa briga com o próprio partido que ele, um homem rude, também é muito tosco nesse aspecto. Não poderia ser diferente com alguém que é reiteradamente homofóbico, misógino, xenófobo e desrespeitoso com o diferente, inclusive com aqueles que ele julga ser seus inimigos nas ciências e na academia. Respeitar o pensamento diferente é a regra número um da convivência democrática.
Bolsonaro tentou aplicar um golpe de mestre em cima de um macaco velho como o deputado Luciano Bivar (PE), presidente do PSL, e se deu muito mal. Articulou para destituir o líder do partido na Câmara dos Deputados, Delegado Waldir (GO), substituindo-o pelo próprio filho, o zero três Eduardo Bolsonaro (SP). Perdeu, foi derrotado pelo próprio partido e continua sangrando.
O motivo menos aparente da confusão é o controle sobre a milionária verba do PSL, que tem a segunda maior bancada da Câmara: mais de R$ 100 milhões de Fundo Partidário por ano e mais de R$ 300 milhões do Fundo Eleitoral em ano de eleição, como 2020.
Pivô da crise iniciada na terça-feira, quando foi alvo de investigação da Polícia Federal sobre candidaturas laranjas, Bivar venceu, mostrou que quem manda no partido é ele e não aquele filiado que está na Presidência da República (veja só), mantendo o Delegado Waldir no posto. Mas só por enquanto. Os pesselistas consideram que o líder da bancada de deputados exagerou quando chamou o presidente de vagabundo e ameaçou implodi-lo, segundo uma gravação surgida no calor da refrega. Mas será substituído por alguém ligado a Bivar e não a Bolsonaro.
Na sexta-feira, depois de já ter minimizado o conteúdo da gravação, o Delegado Waldir voltou à carga e fez uma acusação grave, que merece atenção do STF e apuração do Ministério Público Federal: ao deixar reunião do partido em Brasília, sentindo-se traído, ele afirmou que Bolsonaro tentou comprar deputados para assinarem a lista favorável à colocação de seu filho como novo líder da bancada. E agora?
A crise não poupou a “Bolsonaro de saias”, a deputada Joice Hasselmann (PR), que também assinou a lista do Bivar e foi destituída da liderança do Governo no Congresso na quinta-feira. Saiu atirando: “Me livrei de um grande peso”. Foi substituída na função por alguém de fora do PSL, o senador Eduardo Gomes, MDB-TO.
Depois do deputado federal Eduardo Bolsonaro publicar uma nota de R$ 3,00 com o rosto da deputada, a jornalista condenada por plágios respondeu à milícia digital do presidente: “Não tenho medo da milícia, nem de robôs! Meus seguidores são de verdade, orgânicos. E não se esqueçam que eu sei quem vocês são e o que fizeram no verão passado”. Sabe? Então conta, deputada!
No sábado, a temperatura ferveu entre eles. Ele se referiu a ela como “Pepa” (Peppa Pig é uma porquinha rechonchuda de uma série de desenho animado) e Joice não deixou por menos: “Picareta! Menininho nem-nem: nem embaixador, nem líder, nem respeitado. Um zero a esquerda (sic). A canalhice de vocês está sendo vista em todo Brasil”.
Na sexta-feira, a cúpula do partido ligada a Luciano Bivar havia suspendido as atividades partidárias de cinco deputados que assinaram a lista proposta por Bolsonaro para destituir Waldir. Assim, não poderão assinar nova lista. O senador Major Olímpio (SP), outro bolsonarista de primeira hora também insatisfeito, está com Bivar e apoia a medida.
Bolsonaro achou que tinha o PSL nas mãos e apostou errado. Da mesma forma achou que teria o Congresso Nacional nas mãos e até o Supremo Tribunal Federal subjugado aos seus caprichos e não percebeu que, para seu desgosto e para a ira da turba que o venera como um mito, as instituições do país estão funcionando, goste-se ou não da forma como elas funcionam.
É um mal apostador, é um mal político. Tentou emplacar o herdeiro na liderança do próprio partido e enterrou de vez a possibilidade de vê-lo embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Bolsonaro acabou fazendo um grande favor aos senadores que se sentiam obrigados a aprovar a nomeação do ex-futuro “diplomata”. Ou alguém acha que o Senado vai embarcar no delírio nepotista de um presidente que não controla sequer o partido ao qual é filiado? Pois sim, Johnny Bravo!