Jorge Amado em Estância

Uma das faces da ditadura de Getúlio Vargas foi a perseguição ao Partido Comunista e aos seus integrantes. Jorge Amado, jovem romancista, lançado ao público leitor como um dos integrantes do grupo de ficcionistas nordestinos – José Américo de Almeida, José Lins do Rego, Raquel de Queiroz, Graciliano Ramos – nutria simpatias de jovem libertário, com o PCB e amargou constrangimentos, que redundaram na sua presença em Estância, terra dos seus familiares sergipanos.

 

Jorge Amado, nascido no interior baiano, manteve íntegras suas raízes sergipanas e sempre que podia, ou que precisava, voltava a Sergipe (veio uma vez, ainda bem jovem, aos 12 anos, a Itaporanga, onde moravam os seus avós, e duas vezes a Estância, nos anos de 1930, demorando-se em ambas), e parecia tomar o trago das coisas locais, embriagando-se da sergipanidade, tantas vezes incorporada, depois,  em suas obras, através de personagens imortalizados com seus nomes próprios ou disfarçados com outros nomes.

 

Para fugir da escola, o vestuto Colégio Antonio Vieira, dos jesuítas, em Salvador, ou para escapar do patrulhamento dos serviços de informações durante o período Vargas, Jorge Amado buscou em Sergipe o asilo tranqüilo, fazendo amizades, participando de uma das fases mais criativas do jornalismo sergipano, quando em cada redação dos jornais estavam poetas, críticos, cronistas, escritores de ficção, como Omer Mont’Alegre, Adroaldo Campos, Gonçalo Rolemberg Leite, Luiz Garcia, Carlos Garcia, João Passos Cabral, Mário Cabral, dentre muitos outros que ilustravam a vida local com seus escritos atualizados. Foi nesse período que o romance nordestino ganhou espaço, num desfile de títulos e autores, que davam ao Brasil um sotaque regional e uma temática interiorana, antes incomum.

 

Jorge Amado manifestou-se, em artigos e conferências, fazendo coro com os críticos que escreviam nos jornais de Aracaju, na difusão da literatura nacional, quando ele próprio já havia conquistado prestígio e reconhecimento com seus primeiros romances.

Em Estância Jorge Amado viveu capítulos singulares de sua vida, que jamais esqueceu. O seu coração batia no ritmo estanciano do casario colonial, do Hotel Vitória, da Papelaria Modelo, da Sociedade Monsenhor Silveira, e deixou, em cada um dos amigos e conhecidos, uma imagem amiga, doce, irreverente algumas vezes, mas sempre acomodada no bucolismo da paisagem, “burgo tranqüilo e belo, cercado por dois rios piscosos”, antes de ser tocado pela magia do mar: “O oceano falou comigo, e nunca mais fui o mesmo”.

 

Rui Lima do Nascimento era um garoto e teve, pela condição de filho de João Nascimento Filho, um livreiro, jornalista e poeta estanciano, proprietário da Papelaria Modelo, impressões que soube guardar dos fatos e aventuras de Jorge Amado em sua terra. Não apenas guardou, mas cultivou um sentimento quase familiar, ampliado por um conjunto de relações sociais próximas, em torno do romancista. Alimentou, contudo, a idéia de um dia reunir em livro tudo o que sabia, tanto pelo testemunho presencial, como pelo que ouviu dizer de outras pessoas, ou, ainda, pelo que sobrou de registro escrito, iconográfico, e das lembranças, embrulhadas de ternura, da gente daquele tempo.

 

Rui Nascimento encontrou, ao longo da vida, muitas vezes com Jorge Amado e sempre prometeu que tinha um plano, para fazer um livro sobre a efervescência da Estância, no tempo de Jorge Amado. Acaba de cumprir, com especial competência, publicando o livro Jorge Amado – uma cortina que se abre (Salvador: Casa de Palavras, 2007). Um livro que abre o baú de velhos guardados, escancarando um cenário povoado, literariamente, por um mestre e seus parceiros, como se houvesse entre eles uma partitura de um concerto a ser tocado, no cotidiano daquela comunidade, que misturava médicos, funcionários públicos graduados, homens da justiça, comerciantes, operários de duas fábricas de tecidos.

 

Com seu livro, Rui Nascimento recupera uma década, praticamente, da vida cultural sergipana e acresce à biografia conhecida de Jorge Amado uma parte que permaneceu encoberta. Jorge Amado – uma cortina que se abre é uma gratíssima surpresa, que afaga a alma da Estância e de Sergipe.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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