Lamennais, um revoltado II.

No primeiro Lamennais, a Igreja, e o Papa, em particular, vivem dificuldades na França.

Em princípio, a Concordata de Napoleão fora prejudicial ao Estado Pontifício. Bonaparte queria dominar a Igreja como fizera a alguns países.

Nomeou Bispos, fez padres jurarem fidelidade à coroa, aprisionou o Papa Pio VII (1800-1823) querendo aliciá-lo à sua política de alianças e guerras.

Neste tempo Lamennais ainda não é padre e publica textos condenatórios ao laicismo da Universidade Napoleônica (“De l`Université Imperiale” – 1814), combatendo-a por impedir a educação privada e religiosa. Um texto corajoso e bastante simpático à Igreja.

"Ensaio sobre a Indiferença em Matéria de Religião"- 1817. Livro de grande sucesso de F. Lamennais.

Após a queda de Napoleão, Lamennais é ordenado padre em 1816, publicando no ano seguinte um estudo sobre indiferença religiosa (“l’Essai sur l’indifference en matière de religion” – 1817) que foi muito bem recebido.

O sucesso foi notável levando-o a escrever um segundo volume nessa mesma temática, e vários artigos no jornal “Le Conservateur”, órgão de oposição à monarquia restaurada (Luís XVIII e Carlos X) que mantivera a mesma regra napoleônica de valoração da Universidade e seu ensino laico, impondo dificuldades à educação confessional e religiosa.

Neste tempo, Lamennais é bem acolhido pelo Papa Leão XII (1823-1829), que substituíra Pio VII.

O novo Papa, há quem o diga, visivelmente impressionado com o sacerdote bretão quisera, numa futura vacância, nomeá-lo cardeal.

Contudo, se Lamennais se apresentava como um campeão Ultramontano, defendendo a Igreja de Roma, frente à separatista Igreja Galicana, logo começou a colher antipatias e críticas daquela Igreja dos Reis da França, a qual o clero francês aderira sem poucas reservas e lealdades.

No seu ensaio sobre a indiferença religiosa, Lamennais contemplava um século doente, não porque estivesse apaixonado pelo erro, mas porque era “um tempo que negligenciava a verdade do bem e do mal, a árvore que dava a vida e aquela que promovia a morte, árvores alimentadas pelo mesmo solo, cruzando no meio dos povos que sem levantar a cabeça, passam, estendem a mão e agarram seus frutos ao acaso”.

Combatia, portanto, aquilo que chamou de “indiferença dogmática”, classificando-a em três grupos: 1. Os que viam a religião como uma instituição política, não a crendo necessária ao povo; 2. Os deístas como J.J. Rousseau, que admitiam a necessidade de uma religião para todos, mas que rejeitavam a Revelação; 3. Aqueles a que chamou de “indiferentes mitigados”, porque reconheciam a necessidade de uma religião revelada, mas permitiam negar certas verdades que ela ensina.

Algo que bem convivia com a consideração falsa de toda e qualquer religião, esclarecendo que mesmo assim, qualquer credo se faria necessário para ensinar uma ética ao povo.

Ou seja, entender qualquer Religião, e a Católica em particular, como mera superstição, sendo importante conservá-la enquanto “instituição politica”, para a sustentação dos governos; pragmatismo esperto, digo eu, norteado por prudência e sabedoria, nunca por uma Fé madura e consistente.

Temas eminentemente atuais, porque em nome de um laicismo generalizado e um ecumenismo relativista, chega-se a rejeitar hoje, em revérbero rousseauniano, o processo catequista das civilizações indígenas, por exemplo, tido como um erro, por violência, de sua religião animista e natural.

Neste indiferentismo religioso, o padre bretão combatia o protestantismo, sobremodo porque este ao excluir a autoridade papal, permitindo o livre exame dos textos sagrados, conduz a anarquia doutrinal e por consequência, a liberdade de tudo crer e também, a liberdade de tudo negar.

Lamennais contraditava J.J. Rousseau e seu famoso axioma no qual cada um deve permanecer na religião em que nasceu, não devendo reconhecer em definitivo outra qualquer que não fosse a sua própria, onde deveria reencontrar os elementos esparsos e profundos de todas religiões positivas.

Para o padre malouin, tal religião natural, rousseauniana, que ele também chamava de religião racional, não passava de uma abstração, sem nenhuma realidade histórica, além de não impor nenhuma crença, nem prescrever qualquer dever. Era-lhe uma espécie de “ateísmo disfarçado”.

A Fé verdadeira era-lhe aquela abraçada desde a antiguidade pelo povo gaulês, na qual se formara a alma e a civilização francesa, norteadas na beleza do cristianismo.

Os ensaios sobre Indiferença Religiosa tiveram grande sucesso. Logo cerca de quarenta mil exemplares foram vendidos e traduzidos por toda Europa.

Chateabriand, autor de “Génie Du Cristianisme”, declarou-lhe admiração e amizade.

Joseph de Maistre, autor de “Soirée de Saint Petersbourg” ressaltou: “Este livro é um golpe de trovão sob um céu de chumbo”.

A reação geral, em contracorrente ao “racionalismo das luzes”, fora de completo sucesso.

Espantava-se “que fosse encontrado um padre católico para falar a seu século com tanta audácia e eloquência, um século e tanto depois de Bossuet (1627-1710), e outro tanto após François Fénelon (1651-1715), o ‘Cisne de Cambrai’”.

Se o primeiro volume dos Ensaios sobre a Indiferença em matéria de Religião (“L’Essai sur l’indifférence en matière de religion”- 1817) foi de enorme sucesso, sua participação como um dos redatores do jornal “Le Conservateur”, órgão de oposição realista a Luís XVIII, e um segundo volume dos Ensaios, publicado em 1820, colheram críticas e inimizades de ordem política, inclusive junto ao clero francês que começara a se sentir confortável no novo regime.

Lamennais que no tempo dos “Cem Dias de Napoleão” (1815) tivera que fugir para a Inglaterra por causa de suas críticas à Igreja sufocada pelo Império Napoleônico.

Crítica externada no texto “Da tradição da Igreja sobre a instituição dos bispos” (“De la Tradicion de l’Église sur l’institution des évêques” – 1814), de pequena divulgação, agora, enquanto escritor renomado, se vê novamente mal aceito pela política vigente.

Se suas teses já não eram bem vistas pela restauração bourbonista, ao pregar a autoridade Papal nesta querela, angariou a simpatia da Santa Sé e a antipatia de Carlos X, que assumira o trono francês.

É neste momento que o padre malouin visita Roma e é bem recebido pelo Papa Leão XII.

Segundo Spencer de Barros, houve um interesse do Papa em conceder-lhe o barrete cardinalício.

Já na versão de Aimé Richardt, fala-se de uma recepção “benevolente, mas reservada e fria” do Papa. Tendo o autor citado uma confidência explicitada pelo Cardeal Turiosi, que presenciara uma destas entrevistas, oportunidade em que Leão XII dissera: “Este francês é um homem distinto; ele tem talento, instrução; eu o creio de boa fé, mas é um desses amantes da perfeição que, se permitirmos, agitaria o mundo”.

E Lamennais, sem o beneplácito de qualquer autoridade constituída, iria provocar muitas polêmicas.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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